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Atos 13:4-12
Atos 13:4-12

Atos 13.4-12: Em Chipre 

 

O resultado final da "primeira viagem missionária" foi um passo gigantesco da igreja, embora em termos de distância percorrida a reali­zação fosse um tanto modesta. Barnabé e Paulo foram a Chipre e a seguir a algumas partes da Ásia Menor. Às vezes Lucas é acusado de haver inventado esse itinerário que aparece na narrativa, mas tal invenção é muitíssimo improvável. Em primeiro lugar, é difícil crer que Lucas teria incluído a história da falha de Marcos, se lhe fosse dada liberdade total para fantasiar. Em segundo, a maioria dos lugares visitados tinha pouca importância. Se Lucas houvesse inventado, é certo que ele teria levado seus heróis a locais mais importantes. Em terceiro lugar, mencionam-se alguns lugares onde nada aconteceu — Selêucia, Perge, Atália. Ficamos imaginando por que razão Lucas incluiria tais localidades, se estas já não constituíssem parte da história.

Parece que esta seção teve interesse duplo para o autor. O primeiro interesse fixou-se no incidente que envolveu Elimas. Mais uma vez Lucas é acusado de inventar, ou de pelo menos elaborar uma história. Entretanto, esta narrativa não se enquadra no molde de outras histórias semelhantes (veja BC vol. 5, pp. 186ss.), e não apresenta nenhum indício de ter sido forjada. Talvez Lucas a tenha visto como paralelismo do confronto de Pedro com Elimas, o mágico (8:9ss.). Outro interesse especial de Lucas foi a ascensão de Paulo como líder missionário.

13:4-5 / Seria natural que os missionários se dirigissem primeiro a Chipre, embora, por causa do comentário de Lucas de que eles foram enviados pelo Espírito Santo (v. 4; cp. v. 3, onde os crentes "os despediram"), possamos presumir que se acrescentou maior convicção pelos ditames do bom senso. Chipre era a terra natal de Barnabé, lugar de fácil acesso onde com certeza já havia alguns cristãos (11:19s; 21:16). João Marcos os havia acompanhado (v. 5). É possível que os fatores determinantes de sua escolha teriam sido seu parentesco com Barnabé (veja a nota sobre 12:12), bem como talvez seu relacionamento com a ilha. Visto que seu nome não aparece no comissionamento, teria exercido funções subordinadas. João Marcos poderia ter cuidado das necessidades do dia a dia dos apóstolos, embora o termo empregado para descrevê-lo (gr. hyperetes, "servo", "atendente", "ministro") é usado às vezes para designar os ministros cristãos num sentido oficial (26:16; 1 Coríntios 4:1); com base nisto tem sido sugerido que Marcos teria servido como catequista, tendo também batizado os convertidos. Por outro lado, o uso do verbo correspondente (hyperetein) em 20:34 e 24:23 favorece o sentido de que o moço era auxiliar para serviços gerais.

Quando os romanos anexaram Chipre em 58 d.C, transferiram a sede do governo de Salamina para a nova Pafos (veja a disc. sobre o v. 6). Entretanto, Salamina continuou a ser um centro comercial importante. Distando apenas cerca de 200 quilômetros a sudoeste de Selêucia, porto de onde partiram os missionários (v. 4), Salamina pareceu-lhes o primei­ro porto onde ancorar. A colônia judaica na cidade era suficientemente grande para justificar a existência de várias sinagogas, sendo nessas que Barnabé e Paulo concentraram seus esforços (veja a disc. sobre 9:20). As minúcias do trabalho deles não foram registradas, exceto o breve comentário de que anunciavam a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus (v. 5). Nada se diz quanto à reação do povo, nem quanto ao tempo que os missionários permaneceram em Salamina, antes de terem atra­vessado a ilha toda até Pafos (v. 6). Não há razões para pensarmos que os missionários estenderam seu ministério para atingir outras pessoas além das que freqüentavam as sinagogas.

13:6-12 / Deste relato, que não poderia ser mais resumido, pode-se colher algo da expressão "havendo atravessado a ilha toda" (v. 6), que Lucas emprega constantemente a respeito de viagens missionárias (veja a disc. sobre 8:4). Assim é que, ao atravessar a ilha (cerca de cento e quarenta e cinco quilômetros de Salamina a Pafos) poderiam ter pregado em várias sinagogas. O destino deles era Pafos, cidade nova que havia-se desenvolvido sob os romanos (esta não deve ser confundida com a velha cidade de mesmo nome, cerca de dezoito quilômetros a sudeste da nova). Aqui teriam os missionários pregado durante algum tempo, ganhando certa notoriedade, antes de serem convocados pelo governador, Paulo Sérgio, para que pregassem perante ele. Lucas corretamente o chama de procônsul, visto que a ilha havia sido uma província senatorial desde 22 a.C.

Na comitiva do governador havia um judeu chamado Elimas Bar-Je­sus (vv. 6, 8; cp. Josefo, Antigüidade 20.141-144; Tácito, História 1.22). Aparentemente o nome Elimas originou-se do árabe alim, que significa "sábio", ou de uma palavra que dela se derivou. Diz Lucas que ele era um mágico. Num sentido estrito, magos eram os sacerdotes e sábios da Pérsia, mas este mágico nada mais era senão um charlatão a quem Lucas também dá o nome de falso profeta (v. 6; veja a nota sobre 8:9). Entretanto, sua opinião sobre o governador como sendo homem pru­dente (v. 7) implica em que Sérgio Paulo não havia sido influenciado por Bar-Jesus. Este, por sua vez, era suficientemente esperto para enten­der que se o governador fosse ganho pelos cristãos, suas probabilidades de trazê-lo sob seus poderes mágicos estariam perdidas. Por isso, resis­tia-lhes Elimas, o encantador... procurando apartar da fé o procôn-sul (v. 8; "fé" significa aqui primordialmente o corpo de credos cristãos, embora não se possa descartar de vez a idéia subjetiva de fé no sentido de confiança: veja a disc. sobre 14:22). A reação de Paulo foi fixar seus olhos nos de Elimas (veja a disc. sobre 3:4) e dizer-lhe: Ó filho do diabo, cheio de todo engano e de toda malícia (talvez isto seja um contraste cheio de ira por seu nome ser "filho de Jesus", isto é, "filho de um salvador") e inimigo de toda a justiça, "que entortas os caminhos do Senhor, que são direitos" (v. 10, conforme o texto grego; cp.Isaías 40:3; Oséias 14:9); isto é, em vez de apontar o caminho para Deus, ele punha obstáculos no caminho. Agora a mão do Senhor (talvez "o Espírito do Senhor"; veja a disc. sobre 4:28) está contra ti, e ficarás cego (v. 11). E isso aconteceu de fato. Pode ser que a cegueira o tomou gradualmente —Lucas fala de uma névoa e trevas que lhe sobrevieram (v. 11) — mas no fim houve cegueira total. Depois, ele tinha dificuldade para encontrar (gr."ele estava procurando") alguém que lhe servisse de guia.

O propósito imediato do milagre (visto que Lucas deixa isso implícito) era punir Bar-Jesus pelo erro de resistir ao evangelho (veja a disc. sobre 5:5; a cegueira espiritual é mencionada como punição por um pecado semelhante em 28:26s.). Todavia, a referência no v. 11 a por algum tempo pode significar que Elimas ficaria cego até que se arrependesse. Noutras palavras, o julgamento poderia ter sido condicional, tendo a punição a natureza de uma advertência. Esse milagre serviu, também, ao propósito de demonstrar o poder do evangelho. Então o procônsul, vendo o que havia acontecido, creu (v. 12), embora não fiquemos sabendo em que foi que ele creu. Pode ser que tenha crido em Jesus como Senhor, no sentido cristão, ou talvez tenha crido apenas na realidade do poder de Deus ali demonstrado (cp. 8:18ss.). Lucas nada diz a respeito de ele ser batizado, o que é de surpreender, num caso assim.

A referência ao nome de Paulo no v. 9 deve ser observada. Tem-se feito grande alvoroço em torno do fato de Lucas mencionar a mudança de nome do apóstolo no contexto do encontro deste com Sérgio Paulo, como se Paulo houvesse adotado o nome do governador. Entretanto, o fato de ambos terem o mesmo nome pode ser mera coincidência. É que Lucas nos dá a impressão de que Paulo já tinha dois nomes — um judaico e outro romano (veja a nota sobre 12:12). Agora, todavia, ele decidiu usar o último nome, julgando talvez que lhe fosse mais apropriado, visto haver mudado, saindo de um ambiente predominantemente judaico para outro diferente, o mundo romano. O fato de ele pregar a Sérgio Paulo pode tê-lo conscientizado de que se mudara para um mundo bem dife­rente; a mudança de nome pode ter salientado sua crescente conscienti­zação daquilo que Deus queria que ele realizasse nesse novo mundo (veja a disc. sobre 9:15s., isto é, tinha grande importância sociológica e teológica). Seu nome judaico, Saulo, só é mencionado em Atos nos dois relatos de sua conversão (22:7; 26:14); porém, nunca em suas epístolas.

É digno de nota, também, que dessa ocasião em diante Paulo em geral é mencionado antes de Barnabé (até agora o contrário é que ocorria; cp. 11:30; 12:25; 13:2; mas veja 14:14, 15:12). Isto pode significar que Paulo havia-se tornado o chefe da equipe missionária. No v. 13 o texto chega a afirmar "Paulo e os que estavam com ele", que literalmente é: "Paulo e os que estavam ao seu redor", uma expressão clássica para retratar Paulo como líder.

 

Notas Adicionais # 33

13:7 / O procônsul (gr. anthypatos): As províncias romanas dividiam-se em duas classes: as que precisavam de tropas e as que não precisavam. Estas eram administradas pelo senado e governadas por procônsules; aquelas ficavam sob a administração do imperador. As maiores províncias imperiais eram governa­das por representantes de categoria senatorial, tendo uma ou mais legiões sob seu comando; as menores, por procuradores de em nível de cavalaria, como era o caso da Judéia. Durante algum tempo Chipre havia sido incluída na província imperial da Cilícia, mas foi declarada província senatorial em 22 a.C. Sob Adriano, parece que ela tornou-se outra vez província imperial, mas à época de Severo estava novamente sob o governo de um procônsul.

As tentativas de identificar Sérgio Paulo em fontes não bíblicas centralizam-se em três inscrições: uma inscrição grega em Soli refere-se ao procônsul Paulus; uma inscrição latina dá o nome de Lucius Sergius Paullus como sendo o de um dos curadores do Tibre, sob Cláudio, e a terceira, também grega, encontrada em Quiteria, também menciona o nome Sergius Paulus. Além disso, W. Ramsay e J. G. C. Anderson descobriram em 1912 uma inscrição perto de Antioquia da Pisídia que menciona um "Lucius Sergius Paullus, o filho mais novo de Lucius". Em 1913 Ramsay descobriu o nome de uma mulher, Sérgia Paulla, numa inscrição nessa mesma região. Tais descobertas desempenharam papel impor­tante na teoria desse pesquisador, segundo a qual a família de Sérgio Paulo era formada de cristãos (veja The Bearing ofRecent Discovery on the Trust worthiness ofthe New Testament [O Peso das Recentes Descobertas sobre a Confia­bilidade do Novo Testamento] [Londres: Hodder & Stoughton, 1915], pp. 150-72). B. Van Elderen, entretanto, questiona seriamente a teoria de Ramsay, sendo cético quanto ao valor das duas primeiras inscrições para a identificação de Sérgio Paulo, e fica em dúvida quanto ao valor da terceira, conquanto esta demonstre "a mais atraente possibilidade, das três (AHG, p. 156; veja pp. 151 -56 quanto a uma discussão mais ampla).

13:9 / Saulo, que também se chama Paulo: Sendo cidadão romano, Paulo teria três nomes: um prenome (correspondente ao nosso nome de batismo), um sobrenome, isto é, o nome de sua clã igens), o qual terminava em ius; e um cognome, ou outro sobrenome de família, indicativo do ramo da clã à qual o cidadão pertencia. Paulo (em latim, Paullus) é o cognome do apóstolo (veja a disc. sobre 22:26ss.). Marshall salienta que "um cidadão romano poderia portar um quarto nome (seu signo, ou sobrenome), que lhe era dado ao nascer, e usado como nome de família; no caso de Paulo, poderia ter sido seu nome judaico, 'Saulo', que ele usaria num ambiente judeu" (p. 220).