Atos 21:37—22:21
Atos 21:37—22:21

Atos 21.37—22:21: Paulo Fala à Multidão 

 

Inicia-se nesta seção o primeiro de três discursos de Paulo em sua própria defesa (22:1-21; 24:10; 26:2-23). Até certo ponto, estes discursos são complementares no que diz respeito aos detalhes que dão da vida de Paulo e de sua importância teológica. Este último aspecto torna-se mais evidente nos dois relatos de sua conversão (22:6-16; 26:12-23). Atos 22:6-16 salienta o ponto que Paulo, e só ele dentre todos os discípulos, havia visto Cristo exaltado na glória (vv. 11, 14), e que o Cristo glorificado lhe havia falado de modo que só ele havia entendido (v. 9). O ambiente de Atos 26:12-23 é, por outro lado, "o de uma visão inaugural, como a receberam profetas e videntes... Pode haver ligações intencio­nais com Atos 1 e 2 em termos do testemunho profético agora percebido (2:17; Joel 2:28-32), o que coloca a experiência de Paulo no mesmo nível daquela das testemunhas oculares originais do Pentecoste" (Martin, p. 99). Estas ênfases são de Lucas. Todavia; há outras, dotadas de variações de detalhes, que indubitavelmente são de Paulo. Nos pontos em que os discursos são autobiográficos, concordam amplamente com as afir­mações das cartas de Paulo, e de modo mais notável com Gálatas 1-2. Muitas pessoas poderiam ter reprisado para Lucas o cerne do discurso de Paulo no templo (veja a disc. sobre 21:27-36), que agora nos chega em grande parte com as palavras de Lucas. (As circunstâncias em que o discurso foi proferido dificilmente produziriam uma linguagem polida.) O objetivo de Paulo foi mostrar que pelo fato de ser cristão, não deixava de ser judeu. Este discurso é inteiramente autobiográfico.

21:37 / Quando Paulo estava prestes a ser carregado para o forte de Antônia, dirigiu-se ao comandante, que ficou um tanto surpreso pelo fato de o prisioneiro falar-lhe em grego, embora esta fosse uma língua de uso comum no mundo antigo. Ele havia presumido que Paulo fosse um palestino destituído de educação.

21:38 / Este versículo exprime uma segunda conjectura, e não (como NIV supõe) a surpresa porque a primeira conjectura estava errada. O texto grego não apresenta uma pergunta negativa, mas uma pergunta que aguarda uma resposta positiva: "Você deve ser, então, aquele camarada egípcio..., não é? " Trata-se do egípcio sobre o qual Josefo escreveu em duas ocasiões, um "falso profeta", que mais ou menos em 54 d.C. liderou trinta mil homens ao monte das Oliveiras a fim de assaltar Jerusalém. O procurador Félix havia ordenado um ataque ao monte, mas o egípcio fugira, deixando a "maioria" de seus comandados ou capturados ou mortos (Guerras 2.261-263; veja a disc. sobre 23:34 quanto ao procura­dor Félix). No segundo relato de Josefo deste incidente, escrito cerca de quinze anos mais tarde, declara ele que apenas quatrocentos foram mortos e duzentos feridos (Antigüidades 20.167-172). Estes números estão mais próximos da realidade. Josefo tem a tendência a exagerar nos números, o que explica a diferença entre os trinta mil e a estimativa do comandante, de os seguidores do egípcio serem cerca de quatro mil homens. Ele os chama de "os quatro mil", como se esse número fosse bem conhecido. Descreve-os ainda como sendo sicarii (homens da adaga", do latim sica), que era o termo aplicado aos grupos de judeus nacionalistas militantes bastante ativos por essa época. Parece que Josefo faz distinção entre os sicarii e os seguidores do egípcio, mas para o comandante romano teriam todos parecido a mesma coisa. Agora, o comandante pensa que o egípcio havia voltado, e que havia sido apanha­do pelo povo como impostor (veja Hanson, p. 9, quanto à "espantosa precisão de Lucas ao relacionar sua história à história contemporânea").

21:39-40 / Uma surpresa adicional ocorreu quando Paulo se identifi­cou como judeu, natural de Tarso (v. 39) — que o comandante não o tomasse por gentio, e culpado de profanar o templo; e de Tarso, para fazer boa distinção com o rebelde do Egito. O fato de Paulo ser de Tarso não implicava que fosse simultaneamente cidadão romano (cp. 22:25). Por ora, Paulo está apenas tentando esclarecer que ele não era o homem que julgavam que fosse. A seguir, ele perguntou se lhe era permitido falar ao povo. A permissão lhe foi concedida e, aquietando-se o povo, o apóstolo lhes falou em "hebraico", ou talvez em aramaico, de pé nos degraus do forte de Antônia (v. 40; veja a disc. sobre 13:16 quanto ao sinal feito com a mão). Paulo objetivou ganhar a atenção do povo, ao dirigir-lhes a palavra naquela língua e, se possível, ganhar-lhes o coração (cp. Romanos 9:1-3; 10:1). O episódio todo tem sido questionado por causa de duas coisas: primeiro, teria sido fisicamente possível a Paulo falar? E segundo: ter-lhe-ia sido concedida a permissão para falar? Não existem evidências, contudo, de que Paulo teria sido ferido no tumulto barulhento, e embora pareça estranho que o comandante lhe tenha permitido falar ao povo, a mera estranheza não é razão para negarmos a ocorrência do fato.

22:1 / O objetivo de Paulo era conciliador, o que se torna evidente de imediato na maneira de ele saudar o povo: Irmãos e pais (veja a nota sobre 1:16. Estevão havia usado a mesma fórmula ao dirigir-se ao concilio (7:2), e pode ter acontecido que alguns membros daquele concilio estivessem presentes agora para averiguar o que estava aconte­cendo — daí o uso de "pais" (mas em 23:1 Paulo dirige-se ao Sinédrio dizendo apenas "irmãos"). Paulo achou que em certo sentido estava num tribunal, sendo julgado, pelo que falou em a minha defesa (este termo é freqüentemente empregado: 24:10; 25:8, 16; 26:ls., 24). Em Atos essa palavra significa mais do que meramente dar respostas a acusações; inclui o pensamento de dar testemunho do Senhor. A defesa se torna, então, verdadeiro ataque, sendo o evangelho pregado aos acusadores.

22:2 / O artifício inicial em aramaico pelo menos alcançou um dos resultados que Paulo almejava: ganhou a atenção da multidão. Poucos judeus da diáspora conseguiam falar a língua da Palestina (veja a disc. sobre 6:1), e alguém que falasse esse idioma merecia ser ouvido. Assim foi que maior silêncio guardaram. É possível que Paulo também começasse a ganhar alguns corações.

22:3 / O discurso divide-se em três partes. A primeira diz respeito à conduta anterior de Paulo. Bem à semelhança de Gálatas 1:13-17, Filipenses 3:4-11 e 1 Timóteo 1:12-16 (cp. também Atos 26:4s.), Paulo rememorou para eles sua vida antes de converter-se. Ele narra a história como se estivesse vendo a si próprio pelos olhos de duas pessoas diferentes. Perante os judeus, aparecia como um devoto da lei. Embora houvesse nascido em Tarso, havia sido educado em Jerusalém (veja as notas). É preciso que se saliente este ponto, à vista da pressuposição geral de que Paulo se havia tornado versado na língua e no pensamento gregos em sua juventude na Cilícia. Este versículo e 26:4s. colocam-no em Jerusalém ainda criança, embora tenha conservado algumas ligações com Tarso (cp. 9:30; 11:25; Gálatas 1:21). Paulo havia sido educado em Jerusalém aos pés de Gamaliel (veja a discussão sobre 5:34 e notas). Sua educação consistiu na estrita instrução conforme a verdade da lei de nossos pais (tanto a lei escrita e a tradição oral; cp. Josefo, Antigüidades 13.408-415 e 293-298). Josefo emprega o mesmo termo, estrita instru­ção, a respeito do treinamento dado aos fariseus (Antigüidade 18.39-52; Vida 189-194; Guerras 1.110-112; 2.143-144); o uso que Paulo faz agora rememora seu antigo orgulho de fariseu guardador da lei (Filipenses 3:6). Em Gálatas 1:14 ele se descreve como antigo fariseu "extremamente zeloso" das tradições; aqui, afirma o apóstolo que havia sido zeloso de Deus — as mesmas palavras (veja a nota sobre 1:13) — como seus ouvintes ainda eram. Mas observe a qualificação de Romanos 10:2. O zelo deve ser temperado pelo conhecimento.

22:4 / Perante os cristãos Paulo havia aparecido como perseguidor da igreja — esse ponto é salientado a fim de mostrar ao auditório quão zeloso ele era. Ele havia perseguido este Caminho até à morte (veja a disc. sobre 9:2), usando o termo judaico para igreja, por não desejar irritar os judeus ao introduzir a terminologia cristã. Alguns comentaristas tomam a frase "até à morte" como expressão dos intentos de Paulo, visto que de outra forma sua referência ao aprisionamento de cristãos para atirá-los nas prisões (plural, no grego) seria um anticlímax. Todavia, 22:20 e 26:10 constituem garantia suficiente para que se aceitem aquelas palavras pelo que aparentam significar. É claro que a perseguição era mais forte do que 8:3 e 9:1 sugerem (cp. 26:11). Quanto à inclusão de mulheres na perseguição e chacina, veja a disc. sobre 8:3; quanto ao papel desempenhado por elas na igreja, veja a disc. sobre 1:14.

22:5 / Entretanto, o que aconteceu no caminho de Damasco mudou-lhe a vida. Paulo havia conseguido cartas de apresentação aos irmãos de Damasco (o uso desse termo salienta sua estreita ligação com os judeus) do sumo sacerdote e também de todo o conselho dos anciãos. Não era este o atual sumo sacerdote (Ananias, 23;2), mas (talvez) Caifás. Ou ele ainda estava vivo, para que Paulo fizesse esse apelo neste versículo (lit, "ele está dando testemunho...") ou o apelo se dirigia à memória coletiva do Sinédrio (ou a seus registros), quanto ao que havia sido feito no passado. O grego deste versículo pode ser interpretado de modo a ficar entendido que Paulo havia ido a Damasco para prender apenas os cristãos que haviam fugido para lá, saindo da Judéia, e não os que já residissem naquela cidade. Todavia, essa interpretação não pode ser inculcada.

22:6 / A segunda parte de seu discurso diz respeito à sua conversão. A história, narrada agora nas palavras de Paulo, essencialmente é a mesma de 9:3 -19. Quando algo é acrescentado à narrativa original, Paulo o faz com minúcias que refletem a natureza pessoal da lembrança, ou talvez apelem ao auditório judaico. Assim é que ele menciona aqui que viu ao meio-dia a luz (cp. 26:13). Isto enfatiza seu brilho, que sobrepujou o do sol, e denota portanto sua origem sobrenatural (cp. Ezequiel 1:4, 28). Só mediante tão poderosa manifestação de força Paulo teria mudado a direção de sua vida.

22:7-8 / Ele caiu ao solo (cp. 26:14, e todos igualmente caíram), e ouviu uma voz, como em 9:4, exceto que aqui Jesus recebe o nome de Nazaré (mas cp. 26:15).

22:9 / Paulo explicou que os homens que estavam com ele viram, em verdade, a luz, e se atemorizaram muito, mas não ouviram a voz daquele que falava comigo. Como em 9:4 e 7, aqui também, nos vv. 7 e 9, o texto grego tem variação no caso do substantivo, dependendo do verbo "ouvir" (embora os casos sejam usados em ordem inversa nas duas passagens), a fim de mostrar que o que se ouviu foi diferente, em cada caso. Paulo ouviu palavras inteligíveis; seus companheiros só ouviram sons ininteligíveis — para eles não eram palavras.

22:10 / A pergunta de Paulo, Senhor, que farei? é adição ao relato anterior (cp. 9:5s.). O título "Senhor" no começo não deveria ter tido o mesmo significado que passou a ter mais tarde para o apóstolo; agora Paulo adota o emprego cristão desse título em sua narrativa: E o Senhor respondeu... É claro que Jesus não era Senhor para essa multidão de judeus. A resposta de Jesus é essencialmente a mesma de 9:6. Compare este relato com o outro, mais condensado, de 26:16ss.

22:11 / Que aquela luz era de origem divina confirma-se pela frase "a glória da luz" ("por causa do esplendor daquela luz", ECA; "o brilho da luz", NIV). A referência diz respeito à Shekina — a glória de Deus manifesta a seres humanos (veja a disc. sobre 7:2). Este versículo explicitamente atribui a cegueira de Paulo a esta luz, conforme ele mesmo rememora, enquanto que em 9:8 temos apenas a declaração de que ele está cego. Entretanto, parece que seus companheiros não foram atingidos. Eles é que o conduziram pela mão a Damasco.

22:12 / A terceira parte do discurso diz respeito ao seu chamado. Para o apóstolo, a conversão se fez acompanhar de uma vocação imediata para o serviço, independente de esta ser esclarecida ao longo dos anos seguintes (veja a disc. sobre 9:15s.). O instrumento de seu chamado foi Ananias (9:13s.), que foi descrito no relato anterior, acrescentando agora Paulo tratar-se de homem piedoso conforme a lei, que tinha bom testemunho de todos os judeus que ali (em Damasco) moravam. Sem dúvida isso era verdade a respeito de Ananias, mas o propósito de Paulo era demonstrar que um homem desse calibre é que desempenhou um papel crucial em sua conversão — não se tratava de um criminoso, mas de um homem altamente prestigiado pela sua piedade. Paulo não men­cionou, todavia, que Ananias era um cristão.

22:13-15 / Visto que a história é narrada do ponto de vista de Paulo, nada ouvimos a respeito da visão de Ananias e da luta que o afligiu quanto a aproximar-se do perseguidor (9:10-16). No que concernia a Paulo, Ananias simplesmente apareceu naquela casa na rua Direita, tendo duas coisas a dizer: primeira, uma palavra de cura — Saulo, irmão, recobra a vista (v. 13; cp. 9:17), e segunda, um anúncio a respeito de seu futuro trabalho. Paulo, muito mais do que Lucas na primeira narrativa, retém os termos judaicos da fala de Ananias: o Deus de nossos pais e "a voz da sua boca" (v. 14; veja a disc. sobre 15:7b), aos quais se poderia acrescentar a descrição de Jesus como o Justo de Deus (cp. 3:14; 7:52; veja a nota sobre 11:20). Ao recordar a frase de Ananias, "o Deus de nossos pais", Paulo poderia ter a esperança de mostrar de novo sua identificação com o auditório. O verbo te designou (v. 14) encontra-se novamente em Atos, apenas em 3:20 e 26:16. Parece que sempre indica uma circunstância de grande premência (cp. LXX, Êxodo 4:13; Josué 3:12; 2 Macabeus 3:7; 8:9), e pode ser que Lucas, bom conhecedor do apóstolo, o tenha usado com a intenção de expressar aqui a consciência de Paulo de sua elevada vocação (cp. 9:15). É verbo que indica uma escolha e um chamado feitos muito antes de sua própria reação em obediência (cp. Jeremias 1:4). Só por consideração a seu auditório, Paulo ainda não mencionou a palavra "gentio", ao declarar a que obra precisa­mente ele havia sido chamado. Ele a explicou apenas em termos genéri­cos — que ele seria sua testemunha para com todos os homens a respeito de tudo que Paulo havia visto e ouvido (v. 15; cp. v. 21; 9:15; 26:17; Gálatas 1:16). O Verbo "ver" (como em 1 Coríntios 9:1) está no tempo perfeito, o que expressa o resultado permanente de Paulo haver visto a Jesus. A imagem lhe ficaria na visão da mente. Ter visto o Senhor ressuscitado era uma qualificação exigida para o apostolado (cp. 1:22; 2:32; 3:15; 4:33; etc).

22:16 / De acordo com 9:17, Ananias já havia anunciado o dom do Espírito Santo para Paulo. Por isso, a pergunta feita neste versículo corre paralelamente à de Pedro, em 10:47, quando o dom do Espírito havia sido concedido a Cornélio e seus amigos. A pergunta é brusca, ressoando quase como uma reprimenda, e exigia uma resposta ciara. A fé, como pré-requisito do perdão e pressuposição para o batismo, está implícita na frase invocando o seu nome (veja a nota sobre 2:38 e a disc. sobre 9:14).

22:17-18 / A comissão que Paulo recebera através de Ananias subse­qüentemente foi confirmada por uma visão ("em êxtase"; cp. 10:10; veja a disc. sobre 23:11), enquanto o apóstolo orava no templo (veja a disc. sobre 9:11). Isto não havia sido mencionado antes, mas era importante que fosse mencionado agora, como prova de que para o cristão Paulo o templo continuava a ser lugar de oração e adoração. Um homem que orasse no templo com certeza não o profanaria (cp. 21:28). É quase certo que estes versículos pertencem ao período de 9:26-31. Entretanto, as diferentes razões dadas aqui e em 9:29s. para a saída de Paulo da cidade têm perturbado algumas pessoas. Estas duas passagens não são irreconciliáveis. No relato anterior, Lucas descreveu as circunstâncias como teriam parecido a um observador objetivo — uma emboscada judia contra Paulo (que dificilmente ele mencionaria agora) que levou os discípulos a tomar as providências tomadas. Por outro lado, Paulo menciona aqui sua própria experiência íntima, a de lutar em oração tendo conhecimento dessa emboscada, e imaginando o que é que ele deveria fazer. No fim, pareceu-lhe que o Senhor estaria endossando a ação proposta pelos discípulos, que lhe rogaram: Apressa-te, e sai logo de Jerusalém, porque não aceitarão o teu testemunho acerca do Senhor. A palavra Senhor na verdade não ocorre nestes versículos. O grego do versículo 18 diz simplesmente: "Eu o vi", mas entendemos, do v. 19, que se trata do Senhor. Este não é identificado com maiores detalhes por razões óbvias, mas os leitores cristãos de Lucas saberiam de quem se fala.

22:19-21 / A oração de Paulo no templo é recontada como se ele houvesse discutido com o Senhor a questão de ele partir ou ficar. Seu argumento era que se o povo deveria ouvir a alguém, essa pessoa seria ele, por ter sido um perseguidor do Caminho; eles bem sabem que eu lançava na prisão, e açoitava nas sinagogas aos crentes (veja a nota sobre 26:11; quanto à construção gramatical "crer em direção de...", veja a disc. sobre 9:42). Mas ele próprio tornou-se um cristão. Antes disso, até havia tomado parte na morte de Estevão (observe como a palavra "testemunha", martys, aqui aplicada a Estevão, estava adquirin­do o sentido de "mártir"). A intenção de Paulo em tudo isso era demons­trar que o trabalho em que havia empenhado toda sua vida, entre os gentios, não era seu trabalho, mas o trabalho de Deus mesmo, pois ele o havia determinado. Ele, por si mesmo, teria ficado em Jerusalém, mas o Senhor permanecera irredutível pelos seus argumentos, e o havia enviado para longe, aos gentios (v. 21; cp. Efésios 2:13).

 

Notas Adicionais # 58

21:39 / Tarso, cidade não insignificante: De início era ilegal manter cidadania romana simultaneamente com outra cidadania de outra cidade qual­quer, mas na época de Cláudio (41-54 d.C.) esta proibição não mais vigorava. O orgulho com que Paulo mencionava sua cidade natal "ainda nesta altura era característica notável da vida na cidade, no império romano" (Hanson, p. 213).

22:3 / nascido... criado... instruído ("educado"): W. C. van Unnik mostra que estes três verbos encontram-se com muita freqüência em escritores antigos, e nesta mesma ordem (Tarsus or Jerusalém: the City of Paul 's Youth [Tarso ou Jerusalém: A Cidade da Juventude de Paulo] pp. 17-45; cp. Atos 7:20-22 para os mesmos três verbos). O segundo indica educação no lar. Não se esclarece como isso se relaciona à afirmação de Paulo em 21:39 de que é cidadão de Tarso. Seu nascimento ali e os anos de residência teriam sido suficientes para estabe­lecer essa cidadania.

Criado aos pés de Gamaliel, instruído... (lit, "educado aos pés de Gamaliel": Parece que o professor se sentava num banco mais elevado e seus alunos no chão, ao seu redor; daí decorreria, talvez, o emprego metafórico dessa frase em 4:35, 37 e 5:2. Tem havido alguma hesitação da parte de alguns eruditos quanto a aceitar a declaração de que Paulo estudou sob Gamaliel, visto que sua "declaração da doutrina judaica sobre a lei é uma grosseira caricatura de qualquer coisa que ele pudesse ter aprendido com Gamaliel" (BC, vol. 4, p. 279). Entretanto, a conversão de Paulo e sua subseqüente experiência foram de tal ordem que o apóstolo veio a entender que a confiança que os judeus depositavam nas "obras da lei" nada tinha de ver com a doutrina da salvação pela graça mediante a fé. Seu total abandono do ponto de vista judaico é inteiramente compreensível. Todavia, como que confirmando a afirmação de Paulo neste versículo — seu método exegético e sua argumentação retêm todas as grandes marcas de seu treinamento rabínico e, na verdade, de seu estudo na escola de Hillel, da qual Gamaliel havia sido o diretor (veja C. K. Barrett, A Commentary on the Epistle to the Romans [Comentário da Epístola aos Romanos] [Londres: Adam and Charles Black, 1962], p. 89). Além disso, a família Hillel sempre havia mantido interesse na diáspora, de modo que aquela criança de Tarso poderia muito naturalmente ter ido a eles para ser educada. É digno de nota, também, que essa família nutria especial interesse pela língua e cultura gregas (b. Sotah 49b). A educação grega de Paulo teria sido obtida em Jerusalém.

22:13 / Naquela mesma hora o vi: O verbo grego (anablepeiri) pode significar ou "recuperar a visão" (cp. 9:18), ou "olhar para cima" (cp. Lucas 19:5), mas com freqüência é empregado numa combinação dos dois sentidos. Ananias estava de pé (segundo o texto grego), de modo que Paulo naturalmente devia "olhar para cima".

22:14-15 / Ouvir a voz da sua boca. Hás de ser...: Entre estas duas orações fica a palavra grega hoti que ECA (e NIV) não traduziram. GNB a traduz como conjunção causai, introduzindo a razão porque Deus escolheu a Paulo. Ela é entendida melhor, contudo, como assinalando (à semelhança de nossas aspas) o conteúdo da mensagem. Paulo teria ouvido Deus dizer: "Serás minha teste­munha."

22:16 / Batiza-te e lava os teus pecados: Ambos os verbos estão na voz média, no grego (e assim também, talvez, em 1 Coríntios 10:2 sobre o batismo, e em 1 Coríntios 6:11 sobre a purificação; cp. Efésios 5:26; Tito 3:5). Como regra, o verbo "batizar" é empregado na voz passiva quando se refere às pessoas que são batizadas (cp., p.e., 9:18, "foi batizado"). Mas aqui o sujeito é apresen­tado como fazendo algo para si mesmo, não como simplesmente recebendo: "fique batizado", ou "batiza-te". A busca do sinal externo e o recebimento da graça que esse sinal representa é a resposta da fé à graça de Deus.