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Atos 22:22-29
Atos 22:22-29

Atos 22.22-29: Paulo, o Cidadão Romano 

 

22:22-23 / Agora a multidão permanecia quieta (cp. v. 2) e se apron­tava para ouvir o que Paulo tinha a dizer. Todavia, mediante a palavra "gentios" corria-se o perigo de inflamar o tumulto de novo. Sem dúvida o que os ofendia era a afirmação de Paulo de haver recebido uma comissão divina para oferecer a salvação a todos os povos (isto podia ser subentendido pelas palavras que Paulo havia proferido, pelo que sabiam a respeito dele), sem primeiro submeter-se ao "jugo" da lei (cp. 15:10). Eles não queriam continuar ouvindo isso (cp. 7:57); fora-se a oportuni­dade de Paulo defender-se, neutralizando a acusação específica de haver introduzido "também no templo os gregos" (21:28b). Seja como for, tal acusação era apenas incidental. A verdadeira objeção dos judeus, de que Paulo "ensinava a todos a ser contra o povo, contra a lei e contra este lugar" (21:28a) já havia sido suficientemente confirmada pelo que acabaram de ouvir. E assim eles reiniciaram a gritaria: "Fora com ele, tira-o da terra" (Tira da terra tal homem; NIV, "Livra a terra desse homem. Não convém que viva (v. 22); o tempo imperfeito implica que essa vinha sendo a opinião deles há já muito tempo. A fúria do povo manifestou-se quando clamaram eles, arrojando de si as vestes, e lançando pó para o ar (v. 23; cp. 2 Samuel 16:33; Jo 2:12; Apocalipse 18:19). No verbo clamando temos outro lembrete da história de Jesus. Ele se encontra apenas aqui, em Atos, mas seis vezes em João e quatro vezes na narrativa da paixão, escrita por João, descrevendo os gritos do povo judaico contra Jesus (João 18:40; 19:6, 12, 15). O ódio deles contra Paulo é historicamente crível. Nos anos de 56 a 66 d.C. a intensidade do ódio judeu contra todas as coisas estrangeiras era muito forte.

22:24/ Enquanto isso, o comandante romano não conseguia entender o que estava acontecendo. Talvez não houvesse entendido o discurso de Paulo, ou se entendeu, por que teria produzido tal reação? O comandante decidiu que o único modo de chegar à verdade daquela questão era mediante o interrogatório do prisioneiro sob a tortura do açoite e, tendo isso em mente, deu ordens para que Paulo fosse levado à torre.

22:25/ A torre de Antônia servia tanto de residência do governador como de quartel (Josefo, Antigüidades 15.403-409; 18.90-95; Guerras 5.238-247). Seu pátio central talvez sobreviva no pavimento encontrado sob o Convento de Nossa Senhora de Sião e o Convento da Flagelação, e pode ser identificado como "o lugar chamado Gabata" — o pavimento de pedra em que Jesus foi julgado. Portanto, o quartel para onde Paulo teria sido levado pode ser também o local onde Jesus havia sido flagela­do. Como naquela ocasião, agora um centurião foi destacado para executar o pormenor do "interrogatório" de Paulo. A prática romana de açoitar variava de acordo com o "status" da vítima. Sob certas circuns­tâncias, um cidadão romano poderia ser punido com varas, mas no caso de escravos e não romanos usava-se um açoite de cordas ou couro, às vezes dotado de pedaços de metal ou de ossos (Josefo, Antigüidades 15.284-291; 16.229-234 e 244-253). Houve ocasiões em que essa tortura foi fatal. O "interrogatório" de Paulo seria feito sob chibata. Quando o haviam atado com as correias... ei-lo pronto para ser flagelado ("com correias" — cinturões com os quais o prisioneiro era amarrado, não o açoite com que seria torturado). Porém, antes que o açoite lhe fosse desferido às costas, Paulo afirmou sua condição de cidadão romano, pelo que o processo foi interrompido. Não só o método de punição física era ilegal, como qualquer punição de um cidadão era ilegal sem um julga­mento. Daí a segunda metade da pergunta de Paulo (veja a disc. sobre 16:36s.).

22:26-28 / O centurião comunicou a novidade ao comandante que, a seguir, interrogou Paulo pessoalmente. O homem ficou atônito ante a afirmação de Paulo. Sua observação quanto a ter pago grande soma de dinheiro por sua cidadania não reflete alguma dúvida sobre a cidadania de Paulo, apenas sua amargura diante do fato de a cidadania estar tão desvalorizada. Sob os primitivos imperadores a cidadania vinha passan­do por um processo de concessão grandemente facilitada. Em teoria, não era algo que se pudesse comprar, mas com freqüência o dinheiro trocava de mãos. Isto aconteceu com freqüência, especialmente no tempo de Cláudio (Dio Cassius, Roman History 60.17), época em que o coman­dante, a julgar pelo seu nome, Cláudio Lísias (23.26), recebeu sua cidadania romana. É evidente que esse comandante era grego, mas, seguindo o costume da época, adotou o nome (Cláudio) e o sobrenome de seu benfeitor, retendo seu próprio nome, Lísias, como segundo nome (veja a nota sobre 13:9). O comentário sarcástico dele a respeito de o prisioneiro haver "depreciado a moeda" arrancou uma resposta humilde. Enquanto o comandante havia comprado o privilégio de ser romano, Paulo nascera romano. Nada sabemos das circunstâncias pelas quais o pai de Paulo (ou outro antepassado) chegara a tal "status", mas no primeiro século a.C. já havia muitos milhares de cidadãos romanos na Ásia Menor.

22:29 / Tão logo aqueles homens se convenceram da verdade da declaração de Paulo, imediatamente se apartaram dele os que o haviam de interrogar. O próprio comandante ficou temeroso, pois sua ação ilegal poderia ter repercussões (cp. 16:38). Contudo, manteve Paulo sob custódia, talvez ainda em grilhões, pois acreditava que seu prisionei­ro havia cometido algum tipo de crime.

 

Notas Adicionais # 59

22:25 / Um cidadão romano: Paulo era cidadão de Tarso (21:39) e também de Roma. Seu privilégio de gozar dupla cidadania era característica do período imperial, e o evidente orgulho paulino por esse "status" era característica da primeira parte desse período em particular (veja a nota sobre 21:39). Sherwin-White salienta que, por essa época, quando os cidadãos eram relativamente poucos no império oriental, esse privilégio tinha grande valor por causa dos direitos políticos que conferiam à pessoa. Após o reinado de Cláudio (54 d.C), a cidadania romana veio a tornar-se fenômeno comum, e as vantagens sociais dessa cidadania é que se tornaram os elementos mais importantes. Entretanto, em Atos "respira-se a atmosfera da fase anterior" (pp. 172s.). Isto se confirma ainda mais pelas circunstâncias em que o próprio comandante obteve sua cidadania. Conforme observamos, no reinado de Cláudio esse privilégio com freqüência era conseguido mediante suborno, mas sob Nero esse escândalo chegou ao fim, de modo que, pelo que sabemos, não voltou a ocorrer. Assim é que "a atmosfera histórica em que se insere o incidente de Lísias é correta, sob o reinado de Cláudio" (Sherwin-White, p. 156; veja também Hanson, pp. 10s., que vê evidências nesse pormenor de que o autor de Atos viveu na época dos acontecimentos que está narrando, ou utilizou-se de fontes oriundas desse tempo).