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Atos 6:8-15
Atos 6:8-15

Atos 6:8-15: Estevão é Preso 

 

6:8 / Embora os sete tenham sido nomeados para uma função admi­nistrativa na igreja como um todo, poderiam estar já desenvolvendo um ministério mais amplo dentro de seus círculos helenísticos (presumindo-se que fossem gregos), de modo que o retrato que agora temos de Estevão como pregador não deve surpreender-nos (veja Hengel, Acts, p. 74; Dunn, Unity [Unidade], p. 270). Ele é descrito como cheio de fé e de poder — frase capaz de transmitir o sentido duplo de alguém que desfruta do favor de Deus (cp. 18:27), sendo ele próprio gracioso para com as pessoas (cp. Lucas 4:22). Parece que Estevão teria sido um homem de grande encanto pessoal. Também era pregador eficiente (cp. v. 10), cujo ministério havia sido acompanhado de maravilhas do poder divino, por prodígios e grandes sinais (veja as notas sobre 2:22) que Estevão realizava entre o povo. Este pequeno esboço a bico de pena serve para colocar Estevão (se é que já não havia sido colocado oficial­mente) no quadro dos verdadeiros apóstolos (cp. 4:33; 5:12; 8:13; Lucas 24:19).

6:9 / É natural que os crentes de origem greco-judaica fossem atraídos pelos líderes de sua própria gente, de modo que logo Estevão se viu debatendo com alguns que eram da chamada sinagoga dos libertos — claramente se tratava de uma sinagoga de judeus gregos (talvez mais de uma; veja a nota) sendo que o próprio Estevão poderia ter pertencido a uma delas (como alexandrino, talvez? veja a nota). Visto que havia laços com a Cilícia também, somos tentados a supor que Paulo nessa ocasião fosse membro de tal sinagoga (veja a disc. sobre 9:11). Isto ajudaria a explicar o envolvimento de Paulo na morte de Estevão (7:58; 8:1). Também ajuda a explicar por que ele separou esses gregos em 9:29 (presumindo-se que fossem esses mesmos gregos) para ouvirem o evan­gelho por amor ao qual Estevão havia morrido. Por outro lado, se os libertos constituíssem de fato uma sinagoga grega, e se a descrição que Paulo faz de si próprio, como hebreu, significa o que Lucas tem em mente quando usa esse termo, devemos descartar a sugestão de que Paulo e Estevão em certa ocasião pertenceram à mesma congregação. Seja como for, parece que Paulo morou em Jerusalém a partir de tenra idade, e talvez não tivesse fortes laços pessoais com a terra em que havia nascido, embora obviamente conservasse certas ligações fortes com a Cilícia (cp. 9:30; veja a disc. sobre 22:3).

6:10-11 / Inspirado pelo Espírito Santo (cp. v. 3), Estevão falou com tanto poder de persuasão que seus adversários foram incapazes de sobrepujá-lo na argumentação (cp. Lucas 12:12; 21:15; 1 Coríntios 1:17; 2:6; 12:8s.). Por isso apelaram para outros meios. Subornaram alguns informantes que o acusaram de proferir blasfêmias contra Moisés e contra Deus (v. 11; cp. 17:5). A pregação ungida pelo Espírito com freqüência produz o efeito de endurecer os adversários. Falando-se de modo estrito, proferir blasfêmias significa insultar a Deus, mas neste caso talvez signifique que ele havia "blasfemado" contra o representante de Deus, ao falar contra Moisés (veja a disc. a seguir).

6:12-14 / Quer essa acusação fosse intencional, quer não, teve repercussões mais amplas do que o próprio Estevão. De algum modo a igreja sofreria a influência daí resultante, de modo que a comunidade grega de Jerusalém seria varrida (veja a disc. sobre 8:1b). Desde os membros do Sinédrio até "o homem simples da rua", essa acusação transformou em inimigos a todos quantos até então haviam pelo menos tolerado os crentes. Por sua vez, esse fato removeu a única coisa que restringia o Sinédrio, impedindo-o de partir para a persegui­ção impiedosa aos crentes, a saber, a popularidade dos cristãos (cp. 2:47; 5:13, 26). Ao mesmo tempo — e pela primeira vez — o Sinédrio unificou-se em unanimidade na decisão de fazer algo a respeito dos crentes (veja a disc. sobre 5:34s.). Estevão foi a primeira vítima dessa resolução. Foi arrastado perante o concilio, onde as acusações contra sua pessoa se tornaram mais específicas (e mais exageradas ainda). Este homem, disseram, não cessa de proferir blasfêmias contra este santo lugar e a lei (v. 13). Há muitas evidências do primeiro século sobre como os judeus eram sensíveis quanto a estas questões (veja, p.e., Josefo, Guerras 2.145-149 e 12.223-227; Antigüidades 18.29-35). Sem dúvida alguma, a acusação era falsa na forma como foi apresentada. Todavia, as falsas testemunhas com freqüência empregam uma pitada de verdade; Estevão de fato tinha opiniões sobre a lei e o templo que teriam perturbado muitos cristãos, como perturbavam os judeus.

É possível que a chave para a compreensão do pensamento de Estevão esteja na visão que lhe adveio no final de seu julgamento. Ele viu Jesus, "o Filho do homem, que está à direita de Deus" (7:56), e disso poder-se-ia entender que, à semelhança do Filho do homem celestial de Daniel 7:13ss., Jesus de Nazaré havia recebido autoridade, poder e honra, e seria servido por todas as nações. Aqui, pois, estava alguém maior do que Moisés (cp. Lucas 11:31s.). A implicação desta cristologia era que "o tradicional 'evento salvífíco' judaico do êxodo, e a revelação recebida no Sinai estavam basicamente desvalorizados à luz do tempo da salvação que agora chegara com Jesus" (Hengel, Jesus, p. 23). Não se afirma que o ensino de Estevão contrariava o de Moisés. Ao contrário, Jesus era, para Estevão, o profeta parecido com Moisés (veja a disc. sobre 7:35ss., e também 3:22). Daí decorre a imagem que Estevão faz do Senhor como doador da lei. Observe a mudança no v. 14. Estevão não ensinou que Cristo "é o fim da lei" (Romanos 10:4); apenas ensinou que o Senhor mudara a lei (lit., "os costumes", tanto a lei escrita como as tradições orais; veja as disc. sobre 4:2s.; cp. 15:1; 21:21; 26:3; 28:17). Aqui estava uma verdade muito ampla. Cristo havia reinterpretado a lei nos termos de seu espírito — a vontade de Deus é cumprida no mandamento do amor. Mas, em certos casos específicos, o Senhor havia posto a lei de Moisés de lado. Os regulamentos concernentes à purificação foram um caso saliente. O que mais importa agora deixou de ser a pureza cerimo­nial, mas a pureza do coração (Marcos 7:15). Assim é que, ao afirmar que o templo seria destruído e reedificado em três dias (João 2:19; cp. Evangelho de Tome 71), o Senhor havia declarado que o templo estava obsoleto como lugar de expiação. A purificação agora viria mediante a morte do Senhor, e sua ressurreição (cp. Marcos 15:38; João 4:21ss.; Efésios 2:20ss.; Hebreus 10:20; 1 Pedro 2:5; observe que nos evangelhos a terminologia Filho do homem com freqüência está ligada à idéia do Servo sofredor, que daria sua vida por muitos; veja a disc. sobre 7:55s.). Fica bem claro que Estevão havia entendido o ensino de Jesus, e o tornara seu, pessoal. Todavia, Estevão havia ido mais longe do que o próprio Jesus. O templo havia perdido sua função expiatória, mas na verdade nunca exercera legitimamente essa função (v. 14).

6:15 / Quando as pessoas acabaram de testemunhar contra Estevão, todos os que estavam assentados no Sinédrio, lixando os olhos nele

(veja a disc. sobre 3:4) viram algo estranho. Viram o seu rosto como o rosto de um anjo. Esta é a descrição de alguém cuja comunhão com Deus era de tal ordem que um pouco da glória divina se lhe refletia no rosto. É interessante que a mesma coisa fora dita a respeito de Moisés (Êxodo 34:29ss.; cp. 2 Coríntios 3:12-18). Moisés e Estevão tiveram, pois, isto em comum: ambos exibiram as marcas de quem estivera com Deus. No entanto, Estevão foi acusado de falar "contra Moisés e contra Deus" (v. 11). Eis uma acusação totalmente falsa, mas ali estava uma sentença absolutória vinda do Supremo Tribunal (veja a disc. sobre 7:55s.). Entretanto, para os membros do Sinédrio, esta deve ter sido uma experiência constrangedora, visto que Juizes 13:6 descreve a face de um anjo como sendo "extremamente terrível". Assim é que os mensageiros de Deus parecerão, às vezes, àqueles que se lhe opõem, resistindo contra sua vontade.


Notas Adicionais # 15

6:9 / Sinagoga dos libertos: Parece que havia muitas sinagogas em Jerusalém (cp. 24:12), mas devemos descartar a tradição talmúdica que confere à cidade não menos de quatrocentas e oitenta. Este número talvez tenha sido fixado como o equivalente numérico da palavra hebraica para "cheia", de Isaías 1:21, uma cidade "cheia de justiça". Quanto a uma discussão breve, mas útil, sobre as sinagogas de Jerusalém, veja Hengel, Jesus, pp. 16ss. A questão aqui é quantas sinagogas estão indicadas neste versículo — uma, ou mais de uma? Bruce, Book (Livro), p. 133, crê que havia apenas uma, "freqüentada por libertos e seus descendentes das quatro áreas mencionadas". Esta é também a opinião de Jeremias, Jerusalém, pp. 65s., que a identifica como sendo a sinagoga que foi descoberta em 1913-14, em escavações feitas em Ophel (veja também H. Strathmann, "Libertinoi", TDNT, vol. 4, p. 265). A construção da sentença de Lucas, todavia, favorece a opinião de que se trata de duas sinagogas, uma para os libertos, cireneus e alexandrinos, e outra para cilicianos e asiáticos. Outros afirmam que havia três: a dos libertos, a dos homens de Alexandria e Cirene, e a terceira, dos de Cilícia e Ásia. Outros afirmam que eram cinco. Alguns eruditos sugerem a correção do termo grego libertinon, "de libertos", para libyslinon, que significa "judeus da Líbia", sendo a sinagoga nesse caso a de um grupo de judeus africanos oriundos da Líbia, Cirene e Alexandria (relacionados do oeste para o leste). Esta sugestão é atraente, mas não tem apoio textual. Seja como for, os líbios em geral são libystikoi em grego. Em geral, consideram-se os libertos como sendo descendentes dos judeus que haviam sido enviados a Roma por Pompeu, cerca de 60 a.C, e mais tarde libertados pelos seus senhores romanos. Estas pessoas e seus descendentes teriam usufruído dos direitos de cidadania romana (Suetônio, Tibério 36; Tácito, Anais 2.85; Filo, Embassy to Gaius [Embaixada para Gaio], 23). Entretanto, Sherwin-White duvida de que depois de tão grande intervalo, os descendentes dos ex-escravos ainda eram chamados de "libertos" (p. 152). Há algumas evidências de uma "sinagoga dos libertinos" (é a mesma palavra encontrada em nosso texto) em Pompéia. dos cireneus... e da Ásia: veja as notas sobre 2:9ss.

Alexandria: grande porto marítimo na costa noroeste do delta egípcio, no estreito istmo entre o mar e o lago Mareote. A cidade foi fundada em 322 a.C. por Alexandre, o Grande, que lhe deu seu próprio nome. E provável que não existisse outra cidade, perto de Jerusalém, cuja população judaica fosse tão numerosa como Alexandria. Dois dos cinco distritos da cidade (o setor oriental) eram chamados de judaicos, por causa do número de judeus que ali viviam. Alexandria era o centro intelectual e literário da diaspora. Foi aqui que o Antigo Testamento em grego, chamado de Septuaginta (LXX), e outras obras, como o livro da Sabedoria, foram produzidos. Aqui viveu o famoso professor Filo (20 a.C. — 50 d.C); e aqui Apoio foi treinado (18:24); esta teria sido também a cidade do nascimento e educação de Estevão (veja a disc. sobre 7:9ss.). O remanescente literário dos judeus alexandrinos dão testemunho de sua energia intelectual, do interesse missionário, e da profunda seriedade a respeito das Escrituras. Estas características estão presentes tanto em Estevão como em Apoio. Também é possível estabelecer pontos de contato entre Estevão e Filo (veja, p.e., a disc. sobre 7:22; veja ainda L. W. Barnard, "St. Stephen and Early Alexandria Christianity", NTS 7 [1960-61], pp. 31-45. esp. pp. 44s.).

Cilícia: A área a que se aplica o nome clássico de Cilícia é bipartida geograficamente. A parte ocidental, conhecida como Trácia, é um planalto selvagem até as montanhas do Touro, chegando à costa em declive agudo e rochoso. Muitos promontórios formam pequenos portos naturais que abrigavam piratas de eras pré-históricas até o tempo dos romanos. A segunda parte da Cilícia, a região que fica a leste do rio Lamo, conhecida como Cilícia Pedeias, é uma planície fértil entre o monte Amano ao sul e as montanhas do Touro ao norte, ficando o mar a oeste. A rota comercial vital entre a Síria e a Ásia Menor estende-se por suas duas passagens majestosas, e gêmeas, a porta Síria e a porta Cilícia (veja as disc. sobre 14:21; 15:41). Quanto à divisão política desta região, veja as notas sobre 15:23. Não se sabe muita coisa sobre a população judaica da Cilícia, exceto que havia uma comunidade consideravelmente grande esta­belecida em Tarso, a cidade mais importante da Cilícia Pedeias, do tempo dos selêucidas (veja a disc. sobre 9:11). O Talmude babilônico, Megillah 26a, refere-se a uma sinagoga dos tarsiyim de Jerusalém, que Strathmann identifica como sendo a sinagoga cilícia deste versículo (veja as referências anteriores).