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Atos 16:16-40
Atos 16:16-40

Atos 16.16-40: Paulo e Silas na Prisão

 

Veja a introdução à seção anterior.

16:16-17 / Parece que os missionários iam semana após semana ao local de oração, durante meses e, ao fazê-lo, eram acompanhados por uma jovem escrava demente cujos gritos faziam do grupo o centro da atenção pública. A força do texto grego no v. 17, "seguindo", é que ela "insistia em seguir" e "clamava", que ela "insistia em clamar" a respeito daqueles homens. Lucas a descreve de maneira curiosa (não aparente em ECA.): Ela havia sido possuída por "um espírito de adivinhação", diz ele, "um pitão" (python). v. 16. A palavra pitão originariamente designava uma serpente, mas através de várias associações veio a ser empregada às vezes a respeito de ventríloquos que usavam uma técnica enganosa, como leitores da sorte e outras formas de charlatanice. Algo semelhante a isto pode estar implícito na frase de Lucas, "um espírito de adivinha­ção". Não está implícito meramente o ventriloquismo, pois a narrativa dá a entender que um tipo de poder profético se havia apossado da jovem, de modo que a frase de Lucas poderia refletir a avaliação popular desse prodígio, a saber, que ela seria inspirada por Apoio, o deus da profecia, a quem os gregos chamavam de Apoio Pitânico, porque alegadamente teria matado a serpente que tomava conta do oráculo de Delfos. Lucas aceita essa avaliação, segundo a qual os dons de adivinhação da moça seriam sobrenaturais, não eram dela mesma, mas descreve-os em termos cristãos. A semelhança de Paulo, Lucas via os deuses da Grécia e Roma como campos de batalha onde operava o poder de Satanás (1 Coríntios 10:18-22), e as condições da moça, portanto, como obra distintamente maligna- Lucas usa um verbo (traduzido por ECA como adivinhando, v. 16) que só ocorre aqui no Novo Testamento, mas é encontrado várias vezes na LXX a respeito de falsos profetas que praticavam as artes pagas ocultas da adivinhação, o que contrariava a lei de Moisés (p.e., Deuteronômio 18:10ss.; 1 Samuel 28:8[9]; Ezequiel 13:6; 21:29[34]; Miquéias 3:11; etc). É possível que GNB, p.e., transmita o sentido do texto de Lucas, senão ao pé da letra, com certeza no conteúdo, ao dizer que a jovem tinha "um espírito mau" (v. 16). Mediante esse espírito ela ficava gritando em público, afirmando que os missionários eram servos [lit, "escravos"] do Deus Altíssimo, e que haviam chegado para anunciar o caminho da salvação. Para os pagãos de iMÜpos, isto teria significado libertação dos poderes que lhes gover­navam a sina; para os cristãos leitores de Lucas, significava muito mais (veja adisc. sobre 4:12; 5:31). Os gritos dela assemelham-se espantosa­mente aos dos endemoninhados enfrentados por Jesus, até mesmo no emprego do título "o Santo de Deus" (cp. Lucas 4:34, 41, onde o mesmo verbo "gritar" é empregado; e de modo especial Lucas 8:28; veja a disc. sobre 19:15). Esse título era usado normalmente pelos judeus da diáspora e pelos gentios com referência ao Deus de Israel (embora não lhes fosse exclusivo; veja BC, vol. 5, pp. 94s.), e teria sido assim que a moça o havia aprendido. Todavia o próprio Lucas nenhuma dúvida tinha de que ela era possuída por um demônio (cp. v. 18), e de que falava com discernimento demoníaco.

16:18 / Chegou o dia, porém, em que Paulo sentiu-se tão perturbado pelo comportamento da menina (a palavra grega combina os sentidos de li isteza, dor e ira; é usada a respeito dos saduceus em 4:2) que o apóstolo voltou-se para ela e em nome de Jesus Cristo ordenou ao espírito que saísse da moça (veja a nota sobre 2:38 quanto "ao nome", e cp. 3:6, quanto à ordem). A mesma palavra forte encontra-se na narrativa de I ucas sobre o demoníaco geraseno (Lucas 8:29) e, de certa maneira, a situação aqui seria semelhante àquela enfrentada por Jesus em Gerasa. () resultado final também foi o mesmo. E na mesma hora saiu o espírito 1, com ele, um lucro valioso que dava aos donos da escrava ("grande lucro", v. 16). Supomos que a jovem teria perdido seus poderes de ventriloquismo, ou fosse o que fosse que ela fazia. Com um leve toque tle humor, Lucas emprega o mesmo verbo ("saiu"; "a esperança do lucro eslava perdida", em ECA) quanto ao espírito e às habilidades mágicas.

16:19 / Quando os donos da escrava viram (ou perceberam mais tarde) 0 que havia acontecido, agiram rapidamente (Paulo lhes havia tocado no nervo hipersensível "do bolso"; cp. 19:23-41). Prenderam a Paulo e Silas, e os levaram à praça, à presença dos magistrados. Usa-se aqui a palavra mais genérica para magistrados; o título correto dessas auto­ridades encontra-se no versículo seguinte (no grego). Parece que Timóteo e Lucas não foram envolvidos, fosse pelo fato de quase não aparecerem, fosse por serem "menos judeus", ou simplesmente porque estavam ausentes nesse dia. As passagens narradas na primeira pessoa do plural (nós) cessam no versículo 17 (veja as disc. sobre os vv. 10 e 40).

16:20-21 / O principal poder de governo de uma colônia fora investido nos duum vir, dois magistrados nomeados anualmente, os quais, no passado, chamavam-se a si mesmos de "pretores", embora tal prática nesse momento já houvesse desaparecido. Duum vir é título encontrado em inscrições de Filipos. Eram magistrados que trabalhavam no fórum, onde foram localizados nessa ocasião (v. 19). Este local tem sido esca­vado; podemos ver hoje seu esboço normal, ficando a prisão e os prédios públicos ao seu redor. No lado norte do fórum ficava um pódio retangu­lar, de onde talvez os políticos se reunissem e os magistrados pronun­ciassem sentenças jurídicas. Tais ruínas datam do segundo século d.C, mas a planta do fórum com certeza pouco mudara desde os dias de Paulo. Podemos presumir que foi para cá, para este prédio, rodeado daquelas mesmas instalações, que Paulo e Silas foram arrastados e ali acusados de mau comportamento (perturbaram a nossa cidade [v. 20]). O que isto significa se pode deduzir de 17:6s. Esses "desordeiros", sendo judeus, nos pregam costumes que não nos é lícito receber nem praticar, visto que somos romanos (v. 21). Os acusadores fazem uma distinção claríssima entre si mesmos e os acusados: Estes homens, [uma frase cheia de desprezo] sendo judeus... [nós] somos romanos; sendo habitantes de uma colônia romana, podiam vindicar esse título honorí­fico de que se orgulhavam (mas cp. o v. 37).

Não há evidências que eliminem toda dúvida de que o proselitismo, quer pelos judeus, quer por outros grupos, fosse proibido pelas leis romanas, como às vezes se supõe. Contudo, havia uma lei que proibia aos cidadãos romanos de praticarem qualquer culto estranho, não san­cionado pelo estado (isto é, uma religião que não fosse religio licita). Raramente esta lei era aplicada, de modo que muitos romanos praticavam religiões ilícitas (cp. 18:12ss.). As autoridades em geral contentavam-se em aplicar três espécies de testes a qualquer religião nova: perturbaria a posição dominante do culto romano? A nova religião é inócua politica­mente? E moralmente é ela desejável? Se tais testes aplicados resultassem em respostas satisfatórias, a tolerância era total, e ali era esquecida. Entretanto, há casos registrados em que a lei foi invocada a fim de restringir os excessos de um ou outro grupo (os druidas, os magianos e os devotos de ísis); a esperança desses elementos filipenses era que a lei fosse aplicada nesse caso, de modo que podasse as atividades de Paulo e Silas. Tudo considerado, porém, parece que o apelo desses homens tinha menor cunho legal que racial. Observe a ênfase no fato de ambos os acusados serem judeus. Embora a política imperial no todo favoreces­se os judeus, estes num nível básico eram detestados (cp. Cícero, Pro Flacco 28; Juvenal, Sátiras 14.96-106; é possível que esta fosse a época do ódio mais intenso contra os judeus, de modo especial em Roma [veja a disc. sobre 18:2]). É provável que os donos da escrava estivessem usando esse preconceito como um trunfo. O objetivo deles era perturbar os cristãos e ao apresentá-los como judeus, que representavam uma ameaça às tradições romanas, o empreendimento desses homens poderia ser coroado de sucesso.

16:22-24 / Toda a aparência de inquérito legal desvaneceu-se a partir do momento em que as emoções passaram a controlar os acontecimentos. Como norma, os magistrados mandariam prender os acusados, ou para serem interrogados de imediato, ou para que aguardassem presos a audiência processual. Em vez disso, a multidão enraivecida ficou fervi­lhando ao redor dos prisioneiros, enquanto os próprios duum vir (magis­trados) desnudaram-nos (parece que é isso que o texto grego indica) e (de modo arbitrário) mandaram açoitá-los com varas (v. 22; cp. 2 Coríntios 11:25; 1 Tessalonicenses 2:2), método típico romano de puni­ção, administrado pelos guardas (gr., Iit, "portadores de varas"), os "quadrilheiros" do v. 35. Tal punição, ainda que os acusados houvessem sido declarados culpados, seria ilegal no caso de um cidadão romano, mas os magistrados ainda não sabiam que Paulo e Silas eram cidadãos romanos, porque estes, por sua vez, talvez não houvessem tido a oportu­nidade de fazer-se ouvir, ou fazer-se compreender de modo que pudes­sem advertir os juizes. Cícero menciona o caso de um prisioneiro que fora impiedosamente flagelado enquanto gritava que era cidadão roma­no, o que demonstra que estes prisioneiros poderiam ter clamado em vão (In Verrem, cp. também Atos 22:25). Poderia haver também um proble­ma lingüístico. Supunha-se que os cidadãos romanos conheciam o latim, porém não se costumava aplicar-se testes de conhecimento nesse idioma; é possível, portanto, que Paulo e Silas não houvessem entendido bem o que se passava ao seu redor até que as coisas se tornassem incontroláveis. O caso é que ambos foram barbaramente flagelados (Iit., havendo-lhes dado muitos açoites), depois do que lançaram-nos na prisão (v. 23), isto é, na cela mais recôndita (no cárcere interior), o que dá ao milagre subseqüente uma perspectiva mais aguda. Como tortura adicional, foram acorrentados à parede, com os pés presos no tronco. Teria sido impossí­vel dormir em tais condições.

16:25 / Contudo, esses sofrimentos não esmagaram Paulo e Silas. Ao contrário, perto da meia noite Paulo e Silas oravam e cantavam hinos a Deus (cp. 5:41). Dessa forma, talvez sem essa intenção, deram teste­munho eficiente a seus companheiros de prisão, alguns dos quais pode­riam estar sob sentença de morte (veja a disc. sobre o v. 27). O verbo grego implica que os prisioneiros davam-lhes máxima atenção, e o tempo do verbo (imperfeito) indica que a atenção dada era contínua (cp. Romanos 8:28; 2 Coríntios 2:14; Filipenses 4:6, 7). Não há indícios de que Paulo e Silas houvessem orado pelo seu livramento. Suas orações e hinos eram expressão de louvor.

16:26 / Ao milagre da graça demonstrado nas vidas dos missionários, Deus acrescentou outro de caráter natural: De repente sobreveio um terremoto tão grande (cp. 4:31 e 12:6ss., ambos relacionados à oração). A área de Filipos era sujeita a tremores de terra e terremotos (a expressão de Lucas, "terremoto tão grande", pode ser exagero), mas o momento e a intensidade desse fenômeno foram providenciais (veja Ehrhardt, p. 94). A prisão foi sacudida ao ponto de as portas abrir-se, os troncos nos pés dos apóstolos soltar-se, sem que nenhuma vida se perdesse (pelo menos no interior da prisão). Não ficou claro se os prisioneiros poderiam ter escapado. Talvez ainda estivessem acorrentados, embora estas se hou­vessem desprendido da parede; no caso de Paulo e Silas, é possível que seus pés ainda estivessem presos aos grilhões. O caso é que não tiveram tempo para ordenar os pensamentos, e logo o carcereiro chegava ao local.

16:27 / O primeiro pensamento desse homem, ao ver através da poeira e semi-obscuridade que as portas estavam escancaradas, foi que os prisioneiros haviam fugido. Nessas circunstâncias, pareceu-lhe que não lhe restava outro recurso senão tirar a própria vida. Segundo a lei romana, se um carcereiro perdesse um prisioneiro pelo qual fosse responsável, ainda que mediante um desastre natural, pelo que parece, ele ficaria sujeito ao mesmo castigo que o prisioneiro deveria sofrer (cp. 12:19; 27:42). A intenção do carcereiro talvez fosse a de evitar uma morte pior do que a que ele se infligiria por sua própria espada. Qualquer pessoa normal diria que ele precisava primeiro examinar as celas antes de apelar para recurso tão drástico, mas o choque do terremoto deve tê-lo deixado temporariamente confuso.

16:28-29 / A luz trazida pelo carcereiro permitiu-lhe ver que as portas estavam abertas, e Paulo pôde perceber o que o homem estava prestes a lazer (ou entendera sua intenção pelo que dele ouviu). Paulo também pôde avaliar a situação dentro da prisão. Assim foi que o apóstolo gritou que todos os prisioneiros (não apenas ele e Silas) ainda estavam lá. Esses acontecimentos — o terremoto, o cântico e as orações dos cristãos, a calma dos apóstolos e o que a jovem escrava havia dito a respeito deles (v. 17) —tudo isso deve ter exercido forte influência sobre o carcereiro, persuadindo-o de que aqueles homens eram de verdade "servos do Deus Altíssimo". De pronto ele os julgou serem homens incomuns e, ao pedir unia luz, saltou dentro e, todo trêmulo, prostrou-se diante de Paulo I Silas (v. 29; cp. 10:25; 14:11).

16:30-31 / Entretanto, aquela jovem escrava havia dito também algo íi respeito da salvação. O carcereiro pergunta, então, que é que ele devia lazer para salvar-se. Esta pergunta nada tinha que ver com a punição que ele temera, ao imaginar que os presos haviam fugido — estavam todos ali. O caso é que os acontecimentos daquela noite introduziram o temor do Deus Altíssimo em seu coração, de modo que era a salvação nesse sentido que o carcereiro procurava. A resposta de Paulo e Silas esclarece a questão. Disseram-lhe que devia crer no [epi, "na direção de"] Senhor Jesus Cristo. Só assim ele se salvaria. Na base desta declaração está a confissão de fé cristã primitiva, "Jesus é Senhor"(veja a disc. sobre 9:42). Asseguram-lhe os missionários, além disso, que não apenas ele, mas toda n sua família poderia salvar-se, conquanto isto não devesse ser entendido erroneamente, que a fé do carcereiro seria suficiente para salvar sua família também. Era preciso que todos cressem (veja a nota sobre 10:48).

16:32-34 / Por esta altura, o carcereiro já os havia tirado da cela (cp. v. 30). Os guardas (cuja presença se deduz do v. 29) impuseram segurança na prisão (o texto ocidental, no v. 30 acrescenta este comentário, que também está implícito); talvez o carcereiro tenha levado Paulo e Silas i na casa (veja a disc. sobre o v. 34; com toda a probabilidade, a casa ficava perto da prisão) e ali o carcereiro e sua família podiam receber mais instrução religiosa. O tema desse ensino adicional seria ainda o senhorio de Jesus (v. 32, tomando o genitivo "do Senhor" como sendo objetivo), pelo que foram induzidos a confessar a Jesus como Senhor. O pretérito perfeito (v. 34) talvez tenha a intenção de salientar que eles fizeram uma completa profissão de fé (veja a disc. sobre 14:23). A nova vida ficou demonstrada de imediato de duas maneiras: o próprio carce­reiro tratou dos ferimentos dos prisioneiros, resultantes da punição com varas, e então logo foi batizado, ele e todos os seus (v. 33; veja as notas sobre 2:4, 38, e a disc. sobre 10:44). Observe as duas prioridades: o cuidado dos outros antes do cuidado de si próprio. Estas também foram as prioridades dos prisioneiros, porque primeiro falaram de Jesus ao carcereiro e sua família, antes de permitir-lhes que ministrassem às suas necessidades. Após o batismo (teriam ido lá fora, ao poço da prisão? ) o carcereiro levou-as à sua casa, pôs-lhes a mesa (v. 34). Para Paulo e Silas já havia desaparecido toda dúvida quanto a comer com gentios (veja a disc. sobre 10:19ss.). Quanto ao hospedeiro, na sua crença em Deus alegrou-se com toda a sua casa (v. 34; cp. 1 Pedro 1:8s.), uma obser­vação caracteristicamente de Lucas (veja a disc. sobre 3:8). Ao fazê-la, Lucas emprega um verbo cognato, derivado do substantivo, usado em 2:46, que descreve a alegria dos primitivos cristãos nas refeições que partilhavam. Não importando qual teria sido a intenção desse pequenino grupo ao sentar-se para comer, a refeição se lhes tornou, pois, um verdadeiro "ágape", uma festa de amor. Pode ter havido também uma celebração da ceia do Senhor. Posteriormente, os prisioneiros voltaram à cela.

16:35 / Não sabemos qual teria sido a intenção original dos magistra­dos ao encarcerar Paulo e Silas — se por uma noite ou mais. Se tencionavam encarcerá-los por mais tempo, mudaram de idéia de repen­te. Os romanos eram muito sensíveis a presságios e agouros sobrenatu­rais, de modo que os magistrados, à sua própria maneira, foram profun­damente marcados pelo terremoto, como o carcereiro havia sido. O caso foi que enviaram os quadrilheiros (oficiais) na manhã seguinte com ordens para libertá-los.

16:36-37 / O carcereiro levou a Paulo e Silas a notícia de que estavam libertos, dizendo-lhes que deviam sair e ir em paz (v. 36), não no sentido da saudação familiar judaica, mas deveriam ir embora quietinhos. Os dois se recusaram a sair. Engendraram uma rebelião pacífica, ao recu­sar-se a sair da prisão; os magistrados deveriam ir libertá-los pessoal­mente. A questão não fora apenas que, como cidadãos romanos, houves­sem sido açoitados, mas foram punidos sem julgamento e sem sentença. As antigas leis Valéria (500 a.C.) e Pórcia (240 a.C), subseqüentemente confirmadas pela lei Júlia, proibiam que se batesse num cidadão romano. Mas Sherwin-White salienta que por esta altura — meados do século primeiro d.C. — tais leis haviam sido modificadas. Agora previam certas circunstâncias "em que... um cidadão romano poderia legalmente ser agrilhoado ou açoitado segundo as ordens de um magistrado romano" (p. 73), nunca, porém, sem que antes houvesse um processo judicial. Foi correto, pois, os magistrados admitirem sua falta. Não se tratava, pois, simplesmente de satisfazer as exigências da lei, que fora espezinhada; o importante era que Paulo e Silas tomassem uma atitude por amor à igreja. Houvessem os apóstolos saído da cidade sob a nuvem da desgraça pública, a divulgação do evangelho ficaria impedida.

16:38-40 / Ao saber que os prisioneiros de que abusaram eram cidadãos romanos, os magistrados se alarmaram. Se sua injustiça ficasse exposta perante o público, seriam degradados, perderiam sua posição social e não mais poderiam exercer funções de magistratura. Por outro lado, era dever dos juizes manter a paz; a perspectiva de futuros distúr­bios como os do dia anterior não era menos alarmante, de modo especial à vista de o ensino daqueles homens poder vir a ser interpretado como contrário aos costumes romanos (cp. v. 21). Os juizes viram-se diante de um dilema. Dirigiram-se à prisão e pediram-lhes desculpas (v. 39) e rogaram que saíssem da cidade. Sendo cidadãos, Paulo e Silas não podiam ser sumariamente expulsos (veja a disc. sobre 13:49). No entanto, os missionários lhes acataram a exigência, mas sem pressa alguma. Primeiro, entraram na casa de Lídia, onde falaram à assembléia de irmãos ali reunida (v. 40). É evidente que o trabalho prosperara em Filipos, onde havia agora certo número de cristãos. Nada se diz sobre a nomeação de "bispos e diáconos" de Filipenses 1:1. Talvez devamos presumir que o procedimento de 14:23 foi seguido aqui, como em outras ocasiões, a menos que Lucas mesmo houvesse nomeado os oficiais da igreja, noutra época, como representante de Paulo, visto que aparente­mente Lucas permaneceu na cidade quando Paulo, Silas e Timóteo se despediram. As passagens em que o verbo é conjugado na primeira pessoa do plural reaparecem de novo quando Paulo volta a Filipos em 20:5. A partida demorada, sem pressa alguma, deveu-se em grande parte às más condições físicas dos missionários. Ambos, Paulo e Silas, haviam sido severamente castigados fisicamente. Mostravam muita coragem ao voltar a viajar.

 

Notas Adicionais # 44

16:37 / Sendo nós cidadãos romanos: os donos da jovem escrava gabaram-se com estas mesmas palavras (v. 21). Poder-se-ia perguntar de que modo Paulo e Silas conseguiriam comprovar serem cidadãos romanos. A mesma questão surge em 22:25. Se houvesse tempo, os registros da província em suas respec­tivas cidades natais podiam ser consultados, mas estando em trânsito (grave exceção no mundo antigo, em que a maior parte da população ficava em sua cidade), precisavam levar consigo uma cópia da certidão de nascimento (pro-fessio), em que estava registrada a qualificação de cidadania romana. Era um documento pequenino, feito de madeira (veja Sherwin-White, p. 144ss., esp. 148s). Afirmar ter cidadania romana falsamente era crime punível com a morte (cp. Suetônio, Cláudio 25).