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Atos 6:1-7
Atos 6:1-7

Atos 6:1-7: A Escolha dos Sete

 

Este capítulo e o próximo, que na sua maior parte relatam os "atos de Estevão", servem a um propósito duplo. Em primeiro lugar, completam o retrato que Lucas traça da igreja primitiva, que ainda estava confinada a Jerusalém, observando certos problemas que surgiram relacionados ao fundo monetário comum, e como foram resolvidos. Em segundo lugar, estes capítulos armam o cenário para os outros capítulos que nos mostram a expansão da igreja fora de Jerusalém. Lucas executa esse trabalho de duas maneiras: primeiramente, ao traçar o curso dos acontecimentos que forçaram muitos crentes a fugir da cidade, levando consigo o evangelho para a Judéia e Samaria e, finalmente, "até os confins da terra" (1:8), e em segundo lugar, ao exemplificar o que se tornaria o padrão dessa expansão posterior. A resistência judaica contra o evangelho recrudesce nestes capítulos. Há uma progressão, iniciando-se com advertências (4:21), açoites (5:40) e finalmente a morte (7:58). A morte de Estevão marca "o fracasso final da missão na capital" (J. C. O'Neill, p. 85). É que agora "o povo", que fora retratado de forma positiva nos capítulos anteriores, alia-se a seus líderes e se torna o populacho hostil. As pessoas rejeitam o evangelho, não se considerando dignas da vida eterna (como diria Paulo), de modo que a igreja se volta para os gentios (cp. 13:46). Isto não aconteceu de súbito, de uma vez, e tampouco começou deliberadamente (do ponto de vista humano); mas o fato aconteceu, e a história começa aqui, em "atos de Estevão" (veja ainda a disc. sobre 7:54-8:1 a). Hengel encontra uma série de expressões distintivas e até mesmo impró­prias de Lucas ("não-lucanas") neste capítulo, que revela "uma fonte real bem posterior" (Jesus, p. 3).

6:1 / Lucas não apresenta referências exatas de tempo nesta parte de seu livro, e a nota sobre tempo com que ele dá início à narrativa, simplesmente a coloca naqueles dias nos começos da igreja primitiva. Por todo esse período crescia o número dos discípulos. Aqui, pela primeira vez aparece a palavra discípulos, no livro de Atos, como um título atribuído aos cristãos (cp. vv. 2, 7; 9:36; 11:26; 19:1-4). O emprego do termo "discípulo" nesta altura da história deixa bem claro que os discípulos de Jesus formaram o núcleo da igreja, e que o relacionamento que Jesus mantivera com eles permaneceria o padrão de relacionamento com sua igreja. Uma das características dessa igreja primitiva era a prontidão para atender às necessidades dos seus pobres (cp. 2:44s.; 4:32ss.)- Não sabemos se as ofertas vinham em forma de serviço ou de bens materiais, mas vemos aqui que eram dadas diariamente (distribui­ção diária de alimento). Também notamos que essa distribuição era descrita como um tipo de "ministério"—a mesma palavra que fora usada no v. 4 para o "ministério" da pregação "da palavra". "Há diversidade de ministérios, mas o Espírito é o mesmo" (1 Coríntios 12:5). Todavia, as exigências deste serviço aumentaram tanto, à medida que a igreja prosseguia crescendo, que já não era executado tão bem quanto deveria ser; o problema ia-se tornando cada vez mais agudo pelo aparecimento de grupos étnicos diferentes (talvez sempre houvessem existido) dentro da igreja, que se reuniam separadamente. Além de toda a dificuldade para manter abertas as comunicações necessárias, havia um único fundo assistencial para atender a todos. Sob tais circunstâncias, seria inevitável que alguns fossem negligenciados — e alguns o foram de fato.

Um grupo de crentes a que Lucas dá o nome de "helenistas" (N1V traz "judeus gregos"; ECA, os gregos) queixou-se de que suas viúvas esta­vam sendo negligenciadas no atendimento. A deduzir-se do tempo verbal (imperfeito) parece que essa negligência vinha acontecendo havia algum tempo, pelo que "os gregos" culparam os "hebreus" (N1V, "judeus hebraicos"). Mas quem eram esses gregos e esses hebreus? Estes termos comumente são entendidos em seu sentido lingüístico: os gregos eram judeus que falavam o idioma grego (que não tinham motivação para aprender o aramaico, e assim, em sua maior parte, não falavam aramaico), e os hebreus eram judeus que falavam o aramaico, além do grego. Segundo esta definição, Paulo era hebreu, e é assim que ele se chama a si próprio em Filipenses 3:5 (cp. 2 Coríntios 11:22). Em discussões eruditas mais recentes, estas definições têm sido refinadas; o critério para fazer-se a distinção entre gregos e hebreus era a língua em que prestavam culto ao Senhor, em vez de ser a língua em que conversavam no dia a dia. Outros eruditos, não satisfeitos com esta distinção, baseada apenas na língua, sugerem que "os gregos" também teriam sido "helenizados", a saber, tornaram-se "judeus helenizados", pertencentes a uma sinagoga "liberal" que não se prendia com tanta força à lei e ao templo como algumas outras. Esta sugestão apóia-se num verbo cognato que às vezes tem o sentido de "imitar os modos e costumes gregos". Mas na maioria dos casos significava apenas "falar o idioma grego", e seja como for, é preciso lembrar que os helenistas haviam voltado a Jerusalém por nenhu­ma outra razão senão sua devoção à lei e ao templo. "Como regra, eles com toda certeza não eram 'liberais', mas presos àquela atitude que o próprio Paulo afirma ter sustentado quando era um fariseu... De outra forma, não teriam regressado à Judéia, cuja cultura e economia de modo algum eram atraentes, e teriam preferido ficar noutro lugar, menos Jerusalém, onde viver" (Hengel, Je^wí, p. 18). É difícil, portanto, irmos além da definição lingüística desses termos; esta conclusão é confirmada pelo fato de que tais termos confinam-se a Jerusalém, onde a maioria da população falava aramaico. Na Diáspora de fala grega, a expressão "os gregos" (ou os helenistas) não teria sentido.

Portanto, os gregos desta passagem eram cristãos antes pertencentes às sinagogas de Jerusalém, onde se falava o grego (convertidos presumi­velmente pela pregação de hebreus bilíngües), os quais formaram sua própria comunidade cristã de fala grega. Constituíam minoria numa igreja predominantemente hebraica. Os próprios apóstolos, logicamente, eram hebreus. Se havia alguém que fosse particularmente culpado pela negligência com que as viúvas gregas eram tratadas, os apóstolos é que seriam os responsáveis, porque cabia a eles a administração do fundo assistencial comum. Dificilmente poderíamos crer que essa negligência fosse deliberada, proposital (como o sugere Dunn, Unity, "Unidade", p. 272). É bem provável que estivessem inconscientes do problema em razão de muito trabalho que tinham de fazer.

6:2-4 / Tão cedo os gregos trouxeram a queixa, passou-se de imediato a procurar uma solução, sem ser negada. Os doze — este é o único lugar em Atos em que os apóstolos recebem este título — convocaram os discípulos e, virtualmente confessaram que não haviam administrado o fundo de maneira apropriada; tampouco tinham condições de adminis­trá-lo bem. O problema deles era a falta de tempo, porque precisavam dar prioridade ao ministério da palavra de Deus (v. 2; cp. v. 4) e à oração (v. 4). Novamente temos o artigo definido, "a oração" (conforme o grego) implicando que se tem em mira um tipo especial de tempo ou de forma de oração (seriam os "cultos" na igreja? cp. 1:14 e 2:42 quanto a "orações", e 3:1 e 10:9 quanto à hora da oração). Sugeriram os apóstolos, portanto, que outros sete homens fossem nomeados para a função de administrar o fundo em seu lugar. Deveriam ser homens cheios do Espírito Santo (v. 3; cp. v. 5; 7:55; 11:24; 13:52; Lucas 4:1). É preciso que se faça uma distinção entre "encher-se do Espírito" e "estar cheio do Espírito". "Encher-se do Espírito" refere-se a uma inspiração momentâ­nea (veja a disc. sobre 4:8); "estar cheio", diz respeito ao crente estar possuído pelo Espírito, isto é, o Espírito domina o crente (veja as notas sobre 2:2ss; Gálatas 5:25) concedendo-lhe dons espirituais. Neste caso, a igreja deveria procurar homens que fossem dotados de sabedoria prática que os capacitasse a gerir aquele fundo assistencial.

6:5-6 / Este parecer contentou a toda a multidão (veja a nota sobre o v. 2), que escolheu os sete homens relacionados no v. 5. A primeira coisa que se observa, com respeito a esses homens, é que todos tinham nomes gregos. Isto em si mesmo não significa que fossem todos helenistas (gregos), embora isso fosse possível. Muitos judeus palestinos tinham nomes gregos, como Filipe, Dídimo e André, entre os doze. Mas, com exceção de Filipe, os demais dentre os sete não têm nomes familiares greco-judaicos que era comum nesta região (veja Hengel, Jesus, p. 144ss.). Portanto, se os sete eram gregos, a eleição deles por uma multidão (a igreja toda) diz muita coisa a respeito da gentileza magnâ­nima da maioria hebraica, e do senso de unidade que todos tinham em Cristo. O que os unia era bem maior do que o que os diferenciava.

Não podemos dizer que nada sabemos desses sete homens, excetuan­do-se Estevão e Filipe. De acordo com uma tradição posterior, estes dois haviam participado da missão dos setenta (Epifânio, Panarion 20.4; cp. Lucas 10: lss.), e se Jesus havia enviado os setenta à Samaria (cp. Lucas 9:52; 17:11), isto poderia explicar a obra subseqüente de Filipe naquela região. Todavia, isto nada mais é do que mera especulação. O que sabemos com certeza a respeito dos dois será objeto de discussão nas seções que vêm a seguir. Aqui, basta-nos dizer que de Estevão está registrado que era um homem cheio de fé e do Espírito Santo (v. 5). A fé que Estevão possuía não era diferente em essência da fé comum a todos os crentes, mas era excepcional como esse homem estava disposto a confiar em Cristo, crer com simplicidade em sua palavra, e arriscar tudo por amor de seu Senhor. Quanto ao resto, Nicolau, prosélito de Antioquia, é digno de nota pelo fato de ser gentio de nascimento, tendo-se convertido primeiro ao judaísmo e, a seguir, à fé cristã (v. 5).

Relata-nos Josefo que os judeus de Antioquia eram particularmente ativos no proselitismo (Guerras 7.43-53), e a conversão de Nicolau pode ter sido um caso específico. Ramsay vê sua inclusão entre os sete como algo de grande significado. "A igreja era mais importante do que a pura raça judaica; os elementos não judaicos foram elevados a certa posição", embora, como concorda o próprio Ramsay, nada havia nisto que esti­vesse em desarmonia com o ponto de vista daqueles cristãos judaicos mais conservadores, que (posteriormente) desejariam manter a igreja dentro do âmbito da rebelião judaica (Paul, p. 375; cp. p. 157). A referência a Nicolau introduz pela primeira vez em Atos o nome da cidade que logo haveria de tornar-se o trampolim da missão gentílica. O próprio nome de Lucas às vezes é associado ao de Antioquia (veja a Introdução e a disc. sobre 11:19-30), sendo esta outra razão, talvez, do interesse dele em mencionar o nome da cidade.

Os sete homens que a igreja elegeu foram apresentados aos apóstolos que, por sua vez, lhes impuseram as mãos (v. 6). Esta é a primeira vez em Atos que se menciona uma cerimônia de imposição de mãos (as demais são para cura; veja a nota sobre 5:12) como rito mediante o qual alguns membros da igreja eram nomeados para tarefas específicas (cp. 13:3). No Antigo Testamento, a imposição de mãos às vezes significava bênção (cp. Gênesis 48:14), às vezes a atribuição de um encargo (cp. Números 27:18, 23). Deste modo seria um sinal adequado do reconhe­cimento da parte da igreja dos dons de Deus atribuídos a estes homens, e de sua consagração ao serviço de Deus e da igreja. Além do mais, o fato de os apóstolos terem imposto suas mãos (veja, porém, as notas) indica que os sete passaram a ter autorização apostólica para a tarefa que deveriam realizar: agiriam, a respeito do fundo assistencial, como repre­sentantes dos apóstolos (cp. 13:3; 1 Timóteo 4:14; 2 Timóteo 1:6).

6:7 / Assim foi que a igreja, num contexto de oração e de espírito de boa vontade, pôs a casa em ordem. Manteve-se a unidade. Temos a impressão de que essa resolução trouxe renovada bênção — crescia a palavra de Deus; noutras palavras, a pregação apostólica de Cristo (veja a disc. sobre 5:20) era ouvida por mais e mais pessoas, e conseqüente­mente em Jerusalém se multiplicava rapidamente o número dos discípulos. Em ambas as declarações, o pretérito imperfeito desses verbos salienta que se tratava de um processo crescente contínuo (cp. 2:41; 4:4; 5:14; 6:1). Dentre os que foram ganhos para a fé em Cristo estavam alguns sacerdotes que haviam subido à cidade a fim de cumprir seu turno no serviço do templo; talvez teriam ouvido o evangelho que era pregado ali. Somos informados que passaram a obedecer à fé grande parte dos sacerdotes obedecia à fé. Este verbo encontra-se somente aqui no livro de Atos, e pode ter sido escolhido deliberadamente para sugerir que tais sacerdotes ficaram sob grande pressão, talvez da parte da hierarquia dos saduceus, que exigia deles que renunciassem àquela fé (entendido isto no sentido objetivo, como um corpo de doutrinas; veja a disc. sobre 14:22), e apesar de tudo, esses sacerdotes permaneceram fiéis. Não é provável que esses sacerdotes passaram a desempenhar cargos especiais dentro da igreja. A referência deste versículo pode dizer respeito ao trabalho executado pelos doze, agora que podiam entregar-se totalmente à pregação, sem o impedi­mento de outras preocupações. Supõe-se que tal trabalho era desenvolvido principalmente entre as pessoas cuja língua e cultura os apóstolos partilha­vam, a saber, os hebreus. A próxima seção relata o trabalho paralelo executado por Estevão talvez entre os gregos. Seja como for, Jerusalém ainda permanecia o centro de suas ações.

 

Notas Adicionais #14

6:1 / as suas viúvas: Há razão para pensarmos que entre os gregos havia predominância de mulheres (veja a disc. sobre 2:5), e dentre todas as pessoas, estas mulheres mais idosas, viúvas, vindas da diáspora, teriam sido as mais vulneráveis. Com freqüência elas teriam ficado totalmente sob os cuidados e sustento da comunidade cristã. Quanto ao cuidado das viúvas na igreja primiti­va, veja Tiago 1:27 (cp. Deuteronômio 14:29; 24:19; 26:12; Isaías 1:17; Zaca­rias 7:10). Com o passar do tempo, formar-se-ia uma ordem das viúvas (1 Timóteo 5:3-16; Inácio, Smyrnaeans 13.1; Policarpo, Philippians 4.3), mas nem aqui nem em 9:39 há razões para pensarmos que tal ordem estaria iniciando-se.

6:2 / o número dos discípulos (veja a disc. sobre o v. 1): a palavraplethos, que ocorre nesta frase, possui dois significados em Atos: primeiro, "uma multidão, grande número de pessoas" (como em 2:6; etc.) e, segundo, "uma assembléia completa, ou uma congregação". Este último significado é o que deve ser aplicado aqui, bem como no v. 5, em 4:32 e 15:12. Em cada um destes versículos a referência é feita à assembléia plena dos crentes de Jerusalém. Com a divulgação do evangelho, o mesmo termo seria aplicado mais tarde aos crentes de Antioquia (15:30). É extraordinário que outra expressão similar, "os muitos", seja utilizada nos Rolos do Mar Morto a respeito dos essênios, quando estes se reuniam em assembléia a fim de decidir questões comuns (veja 1QS 6.1, 7-9, 11-18, 21, 25; 7.16; 8.19, 26; CD 13.7; 14.7, 12; 15.8).

E sirvamos às mesas: Esta expressão poderiasignificar servir refeições nas mesas (cp. Lucas 16:21; 22:21, 30), mas "mesas" era também uma figura de linguagem usada para transações financeiras, visto que os que emprestavam dinheiro sentavam-se às mesas a fim de exercer seu ofício. Essa palavra é usada nesse sentido em Mateus 21:12; 25:27; Lucas 19:23; João 2:15, e talvez aqui também; os apóstolos estão afirmando que não deveriam abandonar seu minis­tério primordial a fim de servir como banqueiros, cambistas de dinheiro ou distribuidores de auxílio.

6:3 / Escolhei, irmãos... sete homens: Há vários paralelismos na literatura rabínica no que concerne à nomeação de uma junta de sete homens como delegados, ou representantes de outras pessoas. Ehrhardt sugere que a autorida­de para nomear os sete e os meios pelos quais eles foram selecionados para esse trabalho encontram-se em Números ll:16s. — a história da nomeação dos setenta que iriam ajudar Moisés. "Sabemos, através do Talmude, que os rabis afirmavam que estes setenta homens foram ordenados mediante a imposição de mãos. Temos, portanto, uma boa razão para crer que este foi o precedente que levou Pedro e os demais apóstolos a ordenar os sete — em vez de setenta — da maneira como foram ordenados, com imposição de mãos" (p. 30).

Embora a tarefa deles fosse "servir" (gr. diakonein) e ao trabalho executado se desse o nome de "serviço" (gr. diakonia), os sete nunca foram chamados de "diáconos" (gr. diakonoi). A primeira menção de diáconos no Novo Testamento só se encontra em Filipenses 1:1. Em Romanos 16:1 menciona-se uma diaconi-sa. Segundo a tradição, a nomeação desses sete marcou o início desta ordem de oficiais (veja Irineu, Against Heresies [Contra Heresias], 1.26; 3.12; 4.15; Cipriano, Epistles [Epístolas], 3.3); Eusébio, Ecclesiastical History [História Eclesiástica], 6.43), mas o Novo Testamento dá ínfimo apoio à tradição. É digno de nota, p.e., que quando a igreja primitiva quis distinguir Filipe do apóstolo que tinha seu nome, a igreja não o chamou de "Filipe, o diácono", mas de "Filipe, o evangelista" (21:8). Espalhando-se os gregos (veja a disc. sobre 8:1 b), o cargo dos sete, com respeito ao fundo assistencial, parece ter passado para "os anciãos" (veja a nota sobre 11:30).

Cheios do Espírito Santo e de sabedoria: cp. v. 5, "cheio de fé e do Espírito Santo". Em ambos os casos é melhor tomar "sabedoria" e "fé" como manifestações particulares da obra do Espírito em suas vidas, embora a ordem das palavras no segundo versículo torne esta interpretação menos viável. O sentido talvez indique que eles estavam "cheios" do Espírito Santo (veja a disc. sobre 6:2-4), fato que ficou demonstrado de modo especial na fé e na sabedoria deles. Outras alternativas são considerar cada frase como expressando apenas uma idéia. "Cheios da sabedoria que o Espírito concede", e "cheios da fé que o Espírito concede", ou interpretar cada frase como significando que eles tinham dois dons separados: "cheios de fé ou de sabedoria e cheios do Espírito Santo", isto é, do entusiasmo divino. Nenhuma delas é tão satisfatória quanto a primeira sugestão.

6:5 / Nicolau, prosélito de Antioquia. Esta é uma tradução quase literal, pois o grego diz: "Nicolau, um prosélito", enquanto NIV traz: "Nicolau, da Antioquia, um convertido ao judaísmo". "Sempre que os judeus iam ao mundo dos gentios, sua presença suscitava duas tendências conflitantes. Por um lado, eles possuíam o conhecimento do único e verdadeiro Deus; e no meio da corrupção, idolatria e superstição universais daquela época remota, este conhe­cimento salvífico exercia atração poderosa". Por outro lado, tal conhecimento estava enquadrado numa lei que em muitos aspectos não era tão atraente assim (Racksam, p. 240; veja também J. Murphy-O'Connor, Saint Paul 's Corinth [A Corinto de São Paulo], p. 80). Conseqüentemente, entre as pessoas atraídas para o judaísmo havia variado grau de fidelidade. Algumas se entregavam de todo ao Senhor, submetendo-se à instrução, à circuncisão e ao batismo. Depois, ofereciam sacrifícios no templo, embora na prática esta última exigência às vezes fosse negligenciada. Mais mulheres do que homens aceitavam o judaísmo, à vista da exigência da circuncisão no caso dos homens. Outros, embora não estivessem dispostos a ir tão longe, dedicavam-se ao culto e ao estudo nas sinagogas. Acredita-se de modo geral que, em Atos, estes gentios interessados no judaísmo são indicados pelas expressões: "que serviam [ou adoravam] a Deus" (gr. sebomenoi; cp. 13:43; 16:14; 17:4, 17; 18:7), "que temiam a Deus" (gr. phoboumenoi; cp. 10:2, 22; 13:16, 26), e os "que eram religiosos" (gr. ensebes; cp. 10:2, 7 e o verbo em 17:23), enquanto os mais devotos, por serem totalmente convertidos ao judaísmo, são os únicos chamados de "prosélitos" (gr. proselytos); cp. 2:10; 6:5. Entretanto, há uma exceção a esta regra, a qual se encontra em 13:43, com a expressão "prosélitos devotos" (gr. ton sebomenon proselytori). Parece que estes seriam os mesmos judeus dos quais se diria que são "tementes a Deus" em 13:16, 26, de modo que, com base nisto, podemos presumir que a palavra "prosélito" esteja sendo usada aqui sem referir-se a judeus totalmente convertidos ao judaísmo, mas simplesmente aos gentios que freqüentavam a sinagoga na Antioquia da Pisídia. Entretanto, veja Marshall, p. 229, quanto a uma interpretação diferente.

6:6 / Apresentaram estes homens aos apóstolos. Estes, orando, lhes impuseram as mãos: Embora a igreja certamente tenha sido instruída para escolher aqueles sete, disto não se pode ter tanta certeza quanto indicam a tradução de NIV ("oraram e impuseram as mãos sobre eles") e a de ECA. Se as regras gramaticais do grego servirem de guia, isso foi feito pela igreja toda, que agiu "na presença dos apóstolos". Esta interpretação é apoiada por D. Daube, que acredita que este ato praticado pela igreja fez daqueles sete seus repre­sentantes, como certa vez os israelitas fizeram dos levitas seus representantes ao impor as mãos sobre eles (Números 27:18; Deuteronômio 34:9) (The New Testament and Rabbinic Judaism [O Judaísmo Rabínico e o Novo Testamento], p. 237ss.). Todavia, entendendo que possa haver um acordo, não de gramática mas de sentido, o fluxo da sentença no grego sugere, em vez disso, que foram os apóstolos que impuseram as mãos sobre os sete (nomearam-nos) com oração. Esta interpretação torna-se bem clara no texto Ocidental. A luz do v. 3, "aos quais constituamos sobre este importante negócio" (a menos que tomemos o pronome oculto "nós" como estando no lugar da igreja toda), a última interpre­tação nos parece a mais viável, especialmente se considerarmos que ela segue de perto o padrão da nomeação de Matias (l:15ss.) — os apóstolos iniciaram o processo, o povo desempenhou sua função de escolher a pessoa, mas os apóstolos é que fizeram a nomeação. Veja as notas sobre 6:3.