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Atos 16:11 -15
Atos 16:11 -15

Atos 16.11 -15: Conversão de Lidia em Filipos 

 

A história que se inicia aqui e vai até 21:16 engloba os mais grandiosos dias da vida de Paulo — anos que viram a fundação das igrejas da Macedônia, da Acaia (Grécia), e da Ásia, e a redação de algumas de suas cartas mais importantes. A história é narrada por meio de uns quadros típicos (veja a disc. sobre 3:1-10), mediante os quais Lucas mostra o poder do evangelho e o efeito de seu confronto com os outros poderes daquela época: filosofia, religião e o estado romano. Em vários pontos essa história concorda com as cartas de Paulo e as complementa. Contu­do, algumas minúcias da narrativa de Lucas têm sido questionadas, de modo especial seu relato do encarceramento de Paulo e Silas e do terremoto que o interrompeu. Apresentam-se paralelismos de outras fontes literárias como provas de que a história tenha sido forjada, ou pelo menos os fatos reais tenham sofrido acréscimos tremendos (cp., p.e., 5:17ss.; 12:7ss.; O Testamento de José, 8:4; Atos de Tome, 154ss.; Eurípedes, Bacchae 443ss., 586ss., Epiteto, Conferências 2.6.26). Haenchen reclama que Lucas narrou a história "com todos os recursos da arte helenística de narração, de tal modo que a glória de Paulo brilha com todo esplendor" (p. 504). Pode haver algo de verdade nisso, no que diz respeito ao estilo narrativo — Lucas era um artista. Todavia, convém insistir: a forma da história não serve de guia para a historicidade essencial (veja a disc. sobre 5:19s.). Outra acusação levantada contra Lucas é que o resto da cidade não parece ter sido prejudicado pelo terremoto que libertou os dois missionários. Entretanto, não sabemos se foi assim mesmo que aconteceu, e usar o silêncio de Lucas como argumento e prova de invencionice é procedimento arriscado. Na verda­de, o fato de serem libertos no dia seguinte pode ter sido motivado exatamente pelo temor que assomou os magistrados à face do terremoto. É realmente difícil imaginar por que Lucas inventaria esta história se nada disso tivesse ocorrido, quando há tantas minúcias topográficas e políticas na narrativa que sugerem ter tido o autor acesso a informações de primeira mão. O relato todo é rodeado de uma aura de veracidade.

Lucas aparenta ter sido atingido pela natureza estranhamente repre­sentativa do que aconteceu em Filipos. Sabemos que houve várias conversões ali, mas três delas são enfatizadas de modo especial: a de I idia, a da jovem escrava (por implicação) e a do carcereiro. Juntos, estes (rês elementos sintetizam tudo que os judeus sentiam máximo desprezo - mulheres, escravos e gentios, de modo que, se alguma coisa marcou B divergência da nova fé em confronto com a antiga, foram essas conversões em Filipos. Não só o evangelho havia atravessado o mar Egeu, como havia estreitado o golfo mais difícil da discriminação sexual, social e racial (cp. Gálatas 3:28; Colossenses 3:11). O impacto emocional desses detalhes pode explicar o espaço amplo que Lucas dedicou à missão em Filipos. Também pode ser que essa cidade despertasse a atenção de Lucas de modo especial por ter sido talvez o lugar de sua residência durante alguns anos, até que ele uniu-se de novo a Paulo em sua "terceira viagem missionária".

16:11 / De Trôade, Paulo e seus companheiros (Silas, Timóteo, e agora, parece-nos, Lucas) navegaram para Samotracia, ilha na costa da Trácia, a meio caminho entre Trôade e Neápolis. Ficaram na Samotracia um dia e foram para o continente no dia seguinte (cp. 20:6). Pode ser que Lucas tivesse visto nesse bom traslado um sinal da aprovação de Deus. Neápolis foi o porto de desembarque. Agora estavam na Macedônia.

16:12 / Quando o último dos reis macedônios caiu em poder dos romanos em Pidna, em 168 a.C, o país foi tomado por Roma, mas segundo um acordo celebrado no ano seguinte, foi declarado livre. No entanto, a fim de atenuar o espírito libertário dos macedônios, o país foi dividido em quatro repúblicas, cada uma com sua própria jurisdição separada. Tal acordo perdurou até 148 a.C. Nesse ano, esmagou-se um levante macedônio, e o país tornou-se província romana. De 15 d.C. a 44 d.C. a região unia-se à Acaia e Mésia, formando uma grande província, mas a partir de 44 d.C. voltou a ser província senatorial separada (veja a nota sobre 13:7). Durante todo esse período parece que se manteve a antiga divisão em quatro partes; Lucas demonstra seu conhecimento da história local ao referir-se a ela neste versículo (veja Sherwin-White, p. 93; cp. também 13:49ss.). O texto grego deste versículo é confuso, mas a tradução proposta por GNB talvez retrate o que Lucas tinha em mente, B saber, que Filipos era "uma cidade do primeiro distrito da Macedônia". É certo que Filipos não era "a principal cidade do distrito da Macedônia" (RSV), nem mesmo desta subdivisão particular (NIV). Tal distinção pertencia a Anfípolis, sendo Tessalônica a capital da província.

Parece que os missionários não se demoraram em Neápolis, mas foram direto para Filipos, cerca de 16 quilômetros a oeste. Filipos originalmente havia sido uma cidadezinha de mineração devotada à procura de ouro nas montanhas Pangéus e proximidades. Esta sobreviveu ao esgotamento dos veios auríferos por causa da importância comercial de sua posição, fincada no meio da via Ignácia, principal rota entre a Ásia e o Ocidente. Seu nome derivava de Filipe II da Macedônia (359-336 a.C), que havia tomado a cidade aos gregos tasianos. Após a batalha de Filipos (42 a.C), a cidade cresceu por causa da migração de veteranos. Na mente de Antônio estava o plano de transformá-la em colônia, mas só depois de ser derrotado por Otávio, na batalha de Átio (31 a.C), é que se concedeu essa categoria a Filipos. E assim foram chegando mais colonos italianos. A possessão mais valiosa e estimada dessa colônia era o "direito italiano" (o ius Italicum "pelo qual a posição legal integral dos colonos com respeito a propriedade, transferência de terras, pagamento de impostos, administração local e lei, era a mesma como se o colono estivesse em território italiano; de fato, mediante uma ficção legal, ele estava na Itália" [BC, vol. 4, p. 190]). Os próprios colonos haviam sido descritos como "miniaturas à semelhança do grande povo romano" (J. B. Lightfoot, St Paul 's Epistle to the Philippians [Londres: MacMillan, 1868], p. 51), e, tanto pelo relato de Lucas da visita de Paulo a Filipos como pela própria carta do apóstolo aos Filipenses, somos levados diante da vida política de Roma, de modo particular o poder e orgulho da cidadania romana (vv. 21, 37; Filipenses 1:27; 3:20). Esta não é a primeira colônia a aparecer na narrativa, tampouco será a última, mas Lucas insiste em notar sua situação privilegiada — Filipos, a primeira cidade... colônia — em parte, talvez, pelo seu interesse pessoal por Filipos, mas também porque ajuda a lançar luzes sobre a narrativa.

16:13 /No sábado, o grupo saiu (saímos fora das portas, para a beira do rio) à procura de quaisquer judeus que lá teriam ido para cultuar a Deus. Pelo texto grego, eles simplesmente saíram "fora dos portões", mas entendemos que tais "portões" eram os da cidade, não aparecendo esse adendo em ECA. Todavia, é possível outro entendimento. Cerca de dois quilômetros a oeste da cidade, na via Ignácia, ficava uma arcada romana, hoje em ruínas; um pouco além corria o rio Gangites, tributário do Estrimão. A construção de uma arcada desse tipo com freqüência acompanhava a fundação de uma colônia, tendo a intenção de simbolizar ;i dignidade e privilégios da cidade. Poderia delimitar também opomerium, uma linha que englobava um espaço vazio, fora da cidade, dentro do qual não se permitiam edificações, sepultamentos, nem a realização de cerimônias religiosas estranhas. É possível, portanto, que os judeus tivessem sido forçados a realizar seus cultos e reuniões além desses limites, depois do portão. Foi aqui que os missionários esperavam encontrar um lugar para oração. No grego há apenas uma palavra, proseuche, que pode significar ou o ato de orar ou o lugar onde se ora; neste sentido, pode denotar um edifício (p.e., uma sinagoga). Entretanto, o emprego da palavra por Lucas, aqui, talvez signifique que não existia um edifício, apenas um lugar costumeiro de reunião ao ar livre. Quando os judeus eram obrigados a reunir-se desta forma, tão longe da cidade, faziam-no perto de um rio, ou do mar, de modo que ficasse mais fácil praticar as abluções cerimoniais; seria esse o caso em Filipos, segundo nos parece. Paulo e seus companheiros encontraram ali algumas mulhe­res — a ausência de homens poderia explicar a ausência de uma sinagoga, visto que pelo menos dez homens eram necessários para organizar-se uma sinagoga. Todos se assentaram (assentando-nos [essa era a postura usual durante a aula entre os judeus, embora neste caso possa significar apenas informalidade] e puseram-se a conversar [falamos às mulheres que ali se reuniram]). Se considerarmos a diminuta consideração que os antigos judeus tinham pelas mulheres como pessoas a quem se ministrariam aulas, lembramos de novo, em comparação, de como as mulheres assumem papel importante na história de Atos (veja a disc. sobre 1:14).

16:14-15/pelo menos uma dessas senhoras converteu-se, embora não necessariamente na primeira reunião. O tempo imperfeito do verbo "ouvir" no v. 14 sugere que ela ouviu os missionários mais de uma vez. Seu nome era Lídia, que também era o nome de seu país — conquanto este não tivesse independência, absorvido que fora pela província da Ásia. Lídia era da cidade de Tiatira. Uma das indústrias mais estáveis dessa cidade era a das tinturas, sendo dessa cidade que Lídia, a cidadã, lalvez comprasse sua púrpura (v. 14). Era um comércio de luxo, pelo que essa senhora deve ter sido relativamente rica para poder trabalhar nessa área. Ela seria uma contribuinte, portanto, junto com muitos outros membros dessa igreja, que enviaram sustento pastoral a Paulo em várias ocasiões (Filipenses 4:10ss.; 2 Coríntios ll:18s.). Ela é descrita como pessoa que servia a Deus (v. 14, isto é, uma mulher temente a Deus; veja a nota sobre 6:5). Talvez ela tenha conhecido a doutrina judaica em Tiatira, visto que os judeus dessa cidade estavam envolvidos no comércio de tingimento de tecidos. Assim foi que o caminho para o evangelho lhe fora preparado de antemão. No entanto, Lucas atribui a prontidão de Lídia para que estivesse atenta ao que Paulo dizia (v. 14) a algo mais do que simples contexto ambiental. O Senhor lhe abriu o coração (v. 14; cp. Lucas 24:25; veja a disc. sobre 2:47). Isto sempre deve acontecer. Sem diminuir de modo algum a importância do arrependimento e fé, e a da pregação da fé em Cristo, não pode haver vida em Cristo sem o poder do Espírito Santo: "nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas também em poder, e no Espírito Santo" (1 Tessalonicenses 1:5; cp. Efésios 1:18). Todavia, Lucas o menciona agora talvez para mostrar que assim como Deus os havia chamado para sua obra, assim ele confirma esse chamado operando no meio deles (cp. 14:27). Todos haviam prega­do às mulheres ("falamos às mulheres que ali se reuniram", v. 13), mas Lucas atribui a conversão de Lídia, no que concerne à instrumentalidade humana, à atuação de Paulo que, sem dúvida, era o principal preletor. Assim foi que Lídia se tornou crente fiel ao Senhor (v. 15). Ela e a sua casa, isto é, seu estabelecimento todo, o lar e o negócio empresarial, e foram batizados. É possível que Evódia e Síntique, e as demais senhoras de Filipenses 4:2s., estivessem nesse grupo (veja anota sobre 2:38 quanto ao batismo, e a nota sobre 10:48 quanto à inclusão da casa). Lídia expressou sua fé mediante boas obras (cp., p.e., 10:46; 19:6), persuadin­do os visitantes a aceitarem sua hospitalidade durante o tempo em que permanecessem na cidade (veja a disc. sobre 9:6ss. quanto ao hábito de Lucas de mencionar os anfitriões de Paulo). Sem dúvida o nome dessa mulher veio a tornar-se o da primeira "igreja" em Filipos (a tradição a coloca no vilarejo que tomou o nome dela, não muito longe das ruínas de Filipos; veja a disc. sobre 14:27 e as notas). Alguns acham que ela teria sido o "meu leal companheiro de jugo" de Filipenses 4:3.

 

Notas Adicionais # 43

16:12 / É uma colônia: a palavra "colônia" ocorre apenas aqui no Novo Testamento, embora se saiba que outras cidades de Atos haviam sido colônias, p.e., Antioquia da Pisídia (13:14), Icônio (14:1), Listra (14:6), Trôade (16:8), Corinto (18:1), Ptolomaida (21:7), Siracusa (28:12) e Putéoli (28:13). As colônias romanas eram de três tipos, e de três épocas: as da república anterior, antes de 100 a.C, estabelecidas em cidades conquistadas como guardiãs das fronteiras e centros de influência romana; as do período dos Gracos — colônias agrárias — estabelecidas a fim de prover terras para os cidadãos pobres; e as (his guerras civis e do império, que objetivavam o reestabelecimento de soldados que davam baixa ao término do serviço militar. Diferentemente das primitivas colônias estabelecidas por lei formal e desenvolvidas mediante uma comissão, estas "colônias militares" eram simplesmente instaladas pelo imperador, que nomeava um embaixador que lhe fazia cumprir a vontade. Filipos pertencia a Hta classe. A comunidade assim constituída possuía o ius Italicum, que com­preendia o direito à liberdade (libertas), isto é, tinham governo próprio, inde­pendente do governo provinciano; o direito de isenção de impostos (immunitas); e 0 direito de possuir terras como propriedade autêntica, como sob a lei romana, e de recorrer à lei e à jurisprudência romanas. Em 16:16-40 temos um exemplo muito claro destes direitos, exemplo que pertence a esta época (veja Sherwin-White, p. 76).

16:13 / Onde julgávamos: Há uma porção de variantes textuais aqui. A iindução de ECA implica que os missionários não tinham toda certeza quanto ;io lugar em que os judeus se encontravam para oração, se é que se encontravam. () fato de a palavra para "rio" no grego não vir acompanhada do artigo definido pode dar apoio a isto — "fomos para uma beira de rio". Por outro lado, pode ser certa tradução "onde se costumava orar". Isto dá a entender que haviam recebido informações prévias e sabiam onde procurar. às mulheres que ali se reuniram: É de notar-se que nas três cidades macedônias, Filipos, Tessalônica e Beréia, as mulheres são mencionadas de modo específico como recebendo influência do evangelho. Tal fato condiz com B considerável liberdade e influência social usufruídas pelas mulheres macedô­nias, tão ativas quanto os homens nos afazeres públicos (cp. 17:4, 12; veja W. W. Tarn e G. T. Griffith, Hellenistic Civilization, pp. 98s.; W. D. Thomas, "The Place of Women in the Church at Philippi" [O Lugar das Mulheres na Igreja de Filipos], ExpT 83 [1971-72], pp. 117-20).