Criar um Site Grátis Fantástico
Atos 10:1-8
Atos 10:1-8

Atos 10.1-8: Cornélio chama a Pedro

 

A importância que Lucas atribui à história de Pedro e Cornélio pode ser avaliada pelo espaço que lhe foi dado. É história narrada com minúcias no capítulo 10, recontada no capítulo 11 e citada novamente no capítulo 15. A questão levantada é crucial. Por essa época o evangelho já estava bem estabelecido em Jerusalém e estendia-se por todo o território judaico (9:31). Era apenas uma questão de tempo, portanto; os limites desse território um dia seriam alcançados tanto geográfica quanto demograficamente, pois o problema da admissão dos gentios à igreja deveria ser resolvido. Precisava-se de um caso que servisse como teste — algo que viesse demonstrar com clareza qual era a vontade de Deus quanto aos gentios na igreja — por isso o caso de Cornélio foi providen­cial. É claro que Lucas tinha a vantagem da visão retrospectiva. Lucas, mais do que qualquer outra pessoa da época, teria sido capaz de ver o significado superior da admissão de Cornélio e seus amigos à igreja. É possível que, de início, esse acontecimento tenha sido considerado excepcional, com toda certeza não como um precedente mediante o qual se poderia estabelecer uma regra, e menos ainda como incentivo para que os judeus crentes se lançassem à busca de outros gentios para a igreja. O próprio Lucas entendeu isto. A história que Lucas nos conta mostra-nos que ele não estava bem ciente de que a permissão para admitir gentios continuaria a constituir disputa acirrada durante muitos anos ainda (veja a disc. sobre 15:1, 5; e 21:20ss.). No entanto, pela época do concilio de Jerusalém, o caso de Cornélio (se pudermos aceitar o relato do próprio Lucas) foi reconhecido como caso precedente pelos líderes da igreja, de modo que a avaliação que Lucas fez da importância desse caso tinha base sólida.

10:1 / A cena de abertura ocorre na Cesaréia (vv. 1-8). Esse lugar havia sido em certa época um posto militar fenício denominado Straton, ou torre de Strato, mas Herodes o grande o reconstruiu, transformando-o em cidade apropriada a seus interesses: romana na obediência e grega na cultura. Dotou-a de um porto artificial magnífico que, segundo Josefo, era maior do que Pireus, o porto de Atenas (Antigüidades, 15.331-341).

Noutros aspectos era uma típica cidade grego-romana daqueles dias, dispondo de teatro, anfiteatro, hipódromo, e um templo dedicado a César. Como seria de esperar, havia mais gentios do que judeus em Cesaréia, e estes constituíam minoria ínfima. O atrito entre judeus e gentios era endêmico (veja Josefo, Antigüidades 20.173-184; Guerras 2.266-270; 284s. e a disc. sobre 8:40; 9:30; 24:27). Cesaréia era odiada pelos judeus de modo geral por causa do caráter da cidade, e por ser o centro administrativo romano da província. Chamavam-na de "filha de Edom", e com freqüência se referiam a ela como se não fizesse parte da Judéia (veja a disc. sobre 21:10). Sendo a capital, era também o principal quartel de tropas da província; pela época da narrativa, esse forte abrigava a corte chamada italiana ("corte" segundo os termos romanos), da qual Cornélio era centurião.

10:2 / Cornélio era homem piedoso e temente a Deus, isto é, via-se atraído pela religião judaica sem, contudo, havê-la abraçado de modo integral (veja a nota sobre 6:5), como o demonstram a observação de Pedro no v. 28 e os comentários de outros em 11:2ss. Entretanto, na prática de sua religião, que não era muito profunda, Cornélio era fiel. Diz ECA a seu respeito que dava esmolas ao povo (laos). Nos escritos de Lucas esta expressão genérica indica Israel (quanto a se era o novo ou o antigo Israel, veja a disc. sobre 5:12), de modo que podemos presumir que "o povo" a quem Cornélio dava esmolas eram os judeus. Estes acreditavam que dar esmolas efetuava a expiação de pecados (cp. Siraque 3; 14, 30; 16:14; cp. também Tobias 14:1 Os; Siraque 29:12; 40:24), mas não devemos imaginar que Cornélio dava suas esmolas tendo em mente este objetivo (veja os vv. 3-6, quanto à sua oração). Naturalmente (naquela sociedade) toda a sua casa, isto é, toda a sua família, inclusive seus empregados e servos adotavam sua religião (veja a nota sobre 10:48). Esta referência à família de Cornélio e à reputação que ele usufruía por causa de suas boas obras (v. 22) implica em que Cornélio se havia estabelecido em Cesaréia e ali estava durante algum tempo. Talvez teria sido ali onde sentira-se atraído à adoração a Deus.

10:3-6 / A história se inicia com uma nota sobre o culto. Era a "hora nona", hora regular de oração para os judeus (veja as disc. sobre 3:1 e sobre 10:9), e sem dúvida também para Cornélio. Já fomos informados de que orar era prática costumeira de Cornélio (v. 2), e todas as suas orações talvez se focalizassem numa única coisa (observe como a palavra orações do v. 4 torna-se "oração" no v. 31), a saber, para que sua família se salvasse (cp. 11:14). O primeiro passo na direção de uma resposta a essa oração veio-lhe numa visão em que ele viu claramente... um anjo de Deus (v. 3; veja a disc. sobre 9:10). Diz o grego que Cornélio viu um anjo "numa visão abertamente", isto é, não em estado de êxtase, como lemos depois ter acontecido a Pedro (v. 10), mas em estado de vigília. Seja como for, podemos supor que essa foi uma experiência íntima — muito real — de Deus falando a Cornélio (quando lemos a respeito de anjos neste livro estamos bem próximos do pensamento de que se trata do Espírito Santo; veja a disc. sobre 8:26). Lucas nos relata a história (de forma dramática) de como o anjo pronunciou o nome de Cornélio quase da mesma forma como o Senhor chamou a Paulo na estrada de Damasco, e Cornélio respondeu quase da mesma maneira: Que é, Senhor? (v. 4; cp. 9:4s.). É possível que a linguagem seja de Lucas, mas o autor quer que nós entendamos que Cornélio sentiu-se na presença de Deus (a expressão muito atemorizado, v. 4, é particularmente forte). Foi-lhe assegurado, entretanto, que suas orações e... esmolas têm subido para memória diante de Deus (v. 4; cp. Isaías 43:1). Esta linguagem é a do sacrifício, e intenciona expressar o que diz a GNB: que Deus se agradara dele e o conduzira à salvação (cp. Romanos 2:6). Esta é uma história sobre a graça de Deus. Entretanto, Pedro também tinha um papel a desempenhar.

10:7-8 / A chave desta história é a estrita obediência, seguindo passo a passo a orientação divina. Cornélio imediatamente chamou dois de seus criados e um piedoso soldado... [e] enviou-os a Jope (vv. 7, 8). Está bem claro que Cornélio não conhecia Pedro pessoalmente, mas talvez lhe conhecesse o nome e a reputação; talvez soubesse que Pedro estava em Jope, e sentiu forte compulsão para mandar buscá-lo. Revela-se no v. 8 a confiança mútua existente entre o centurião e seus criados e o soldado, um homem piedoso: Cornélio lhes havia contado tudo que acontecera. Precisavam percorrer cerca de 48 quilômetros. Devem ter ido a cavalo, porque aparentemente chegaram a Jope logo depois do meio-dia do dia seguinte.

 

Notas Adicionais # 25

10:1 / Um homem por nome Cornélio: Este é o nome de uma importante família romana a que pertenceram Cipião e Sula, embora este centurião talvez tivesse origem mais humilde. Sula havia libertado dez mil escravos em 82 a.C, e todos poderiam ter recebido o nome de Cornélio. Por esta altura seria um nome muito comum. Qualquer cidadão romano teria normalmente três nomes, o segundo dos quais poderia ser Cornélio (veja a nota sobre 13:9). A forma abreviada de dar-se nome a um romano, sem o sobrenome, constituía prática antiga, que não se usava fora do exército, por volta da metade do primeiro século d.C. É certo que não se trata de coincidência o fato de as duas únicas pessoas que têm esse nome em Atos serem soldados (cp. 27:1), exatamente no período em que somente os soldados o teriam (veja Sherwin-White, p. 161). Pergunta Hamon: "Seria esse o tipo de pormenor que alguém teria inventado, imaginado ou adivinhado, ao escrever no segundo século d.C, ou no fim do primeiro, quando tal costume já teria cessado havia algum tempo? " (p. 11).

Corte chamada italiana: é tradução literal do grego. NIV diz: "O regimento italiano". Há evidências em documentos antigos da presença de uma corte italiana na Síria, na segunda metade do primeiro século d.C. (também no segundo século; veja BC, vol. 5, p. 441ss), estando esse fato em consonância com o texto que defrontamos: esta corte estaria em Cesaréia nesta era mais antiga. Certamente seria uma unidade auxiliar, visto que as legiões não ficavam estacionadas em províncias menores como a Judéia. Pode-se argumentar que a corte, ou apenas Cornélio, teria sido removido de uma legião para prestar serviços em outra na Cesaréia, ou que Cornélio era aposentado e morava nessa cidade. Tácito menciona uma "legião italiana" (História 1.59). Todavia, uma inscrição encontrada na Áustria menciona um oficial da segunda corte italiana do final do primeiro século. Esse texto descreve a corte como pertencendo à "divisão de arqueiros do exército sírio", mas em vista de os legionários não serem arqueiros, isso significa que as cortes italianas eram, na verdade, unidades auxiliares (veja ainda Sherwin-White, p. 160).