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Atos 22:30—23:11
Atos 22:30—23:11

Atos 22.30—23:11:: Perante o Sinédrío 

 

O comandante romano tratou do caso de Paulo como assunto rotineiro. O caso pertencia à jurisdição da autoridade local, o Sinédrio, pelo que a este Paulo foi encaminhado. Ocorreu, porém, o espetáculo extraordinário da violência ue dominou o Sinédrio, ao ponto de ameaçar a vida de Paulo, pelo que o apóstolo precisou ser retirado dali sob guarda. Em parte isto se deveu às palavras do próprio Paulo, que não demonstrou tato e tampouco algum desejo, como antes, de conciliar o auditório. Um fato curioso relacionado a esse incidente, como Lucas o relata, é que nenhuma referência se faz a que o apóstolo "introduziu também no templo os gregos" (21:28b). É que nós já sugerimos que a verdadeira questão era o alegado ensino de Paulo "contra o povo, contra a lei e contra este lugar" (21:28a). É provável que a outra acusação também lhe fosse atirada, mas Lucas limita-se a tocar no ponto central da questão.

22:30 / O comandante está realmente atônito diante de seu prisioneiro. Ali está um homem que conhece e usufrui seus direitos de cidadão romano, e no entanto apresenta todos os indícios de um delinqüente. Na tentativa de querer saber ao certo por que ele era acusado pelos judeus, convocou uma reunião especial do Sinédrio para o dia seguinte. Essa reunião não é tida como um julgamento, nem aqui nem na carta que posteriormente o comandante Lísias enviaria ao governador. Só nas palavras de Paulo é que se diz que o concilio reuniu-se para "julgá-lo" (23:3, 6). Ao contrário, parece que foi apenas um inquérito, embora o comandante talvez houvesse esperado que surgissem nele acusações formais contra Paulo. Alguns chegam a questionar a autoridade desse comandante para convocar uma reunião do Sinédrio. Mas é provável que os membros do concilio se sentissem bastante lisonjeados em atender à convocação, para que pudessem jogar a culpa do tumulto do dia anterior às costas de Paulo, e certificar-se de que aquele a quem consideravam inimigo perigosíssimo do templo não pudesse escapar. "A acusação de causar tumultos era muito séria, podendo acarretar graves conseqüên­cias, se chegasse aos ouvidos do procurador" (Hanson, p. 220). Assim é que o comandante "soltou-o" — não sabemos se de seus grilhões, ou se de sua cela no forte de Antônia — e Paulo foi levado perante o Sinédrio (cp. 4:5-22; 5:27-40; 6:12-7:58; Lucas 22:66-71; quanto ao lugar da reunião, veja a disc. sobre 4:5). Não ficou esclarecido se o comandante esteve presente. O v. 10 implica sua presença. O relato de Lucas é bastante condensado; ele talvez tenha sido chamado só quando se perdeu o controle da reunião. Não há razão por que ele não poderia estar presente. O desejo dos membros do concilio de evitar quaisquer contatos com os gentios, em João 18:28, surgiu sob circunstâncias especiais, as da festa judaica. Comumente os judeus mantinham contatos com oficiais romanos; neste inquérito especial, convocado por conveniência do co­mandante, nada havia que o impedisse de acompanhar e verificar o processo.

23:1 / Parece que Lucas inicia seu relato estando a reunião bem avançada, mas podemos presumir que o inquérito havia sido instaurado de modo formal, sendo Paulo acusado de profanar o templo. De sua parte (dirigindo-se aos conciliares como seus iguais, "Irmãos;" veja a nota sobre 1:16), Paulo declara que tinha uma boa consciência diante de Deus (é palavra caracteristicamente paulina; cp. 24:16 e vinte vezes em suas cartas). A declaração, até o dia de hoje tenho andado diante de Deus com toda a boa consciência não se deve entender como abrangendo toda sua vida (algumas coisas havia em sua vida sobre as quais o apóstolo tinha má consciência; cp. 22:20); mas Paulo se referia aos últimos anos e às questões sobre que era acusado. O verbo "cumprir alguém suas obrigações" (as de Paulo ou as de Lucas? essa expressão não aparece em ECA) estritamente significa "ser um cidadão" ou "viver como um cidadão" e pode representar a vindicação dos direitos de Paulo, como cristão, de pertencer à comunidade de Deus, cujas leis ele respeitava e cumpria (cp. Efésios 2:12, 19; Filipenses 3:20). A idéia de cidadania é proeminente nestes capítulos (21:39; 22:28). Quanto à expressão "Paulo fitou os olhos" compare-se com 13:9; 14:9, e veja a disc. sobre 3:4.

23:2/0 presidente do concilio nessa época era o sumo sacerdote Ananias, que não deve ser confundido com o Anás de 4:6, mas o filho de Nebedeus, nomeado para o cargo por Herodes Agripa II no ano 47 d.C, e demitido em 58 ou 59. Suas simpatias pelos romanos mantiveram-no nesse cargo durante mais tempo do que a maioria dos demais ocupantes, mas fizeram desse Ananias o alvo do ódio dos judeus nacionalistas. Ao deflagrar a guerra dos judeus contra Roma, em 66 d.C, Ananias foi assassinado pelos sicarii. Em todos os sentidos, Ananias era um homem violento e inescrupuloso (ele próprio não havia hesitado em usar os sicarii; veja Josefo, Antiqüities 20.204-207; Guerras 2.241-244 e 441-448), e foi como confirmação dessa reputação que ele mandou aos que estavam junto dele [de Paulo] que o ferissem na boca. Teria pensado talvez que Paulo estivesse mentindo, ou se sentisse ofendido pela afirmação de Paulo de ser um cidadão da comunidade celestial. De qualquer maneira, seu ato foi ilegal. É inegável o paralelismo com Jesus (João 18:22), embora esse detalhe não se encontre no evangelho de Lucas.

23:3 / Era sumamente ofensivo para um judeu que alguém pedisse a uma pessoa que o esmurrasse daquela maneira. A resposta cortês de Paulo foi declarar-lhe que Deus atingiria o sumo sacerdote (lit., "Deus está prestes a atingi-lo"). Paulo chamou-o de parede branqueada, uma expressão proverbial que significa "hipócrita", como os profetas de Ezequiel 13:1 Os., que cobriam de cal uma parede de pedras soltas, de modo que ela ficava parecendo ser o que não era na verdade (cp. Isaías 30:13; Mateus 23:27; Lucas 11:44). Ananias aparentava ser um ministro da justiça, mas não o era de modo algum (cp. Levítico 19:15), visto que na lei judaica os direitos dos acusados eram cuidadosamente protegidos.

23:4-5 / Paulo tinha razão, mas sua resposta irada só fez inflamar mais ainda a indignação do concilio. Alguém, um dos membros, fê-lo lem­brar-se de que era impróprio dirigir-se dessa maneira ao sumo sacerdote de Deus (v. 4). A isso replicou Paulo: Não sabia, irmãos, que ele era o sumo sacerdote (v. 5). Às vezes essa expressão é entendida como se Paulo literalmente não tivesse conseguido reconhecer a Ananias, fosse por deficiência visual (mas veja o v. 1), fosse porque não o conhecia nem de vista. É mais provável que Paulo houvesse apelado à ironia, como se quisesse dizer: "Eu não reconheci o sumo sacerdote pelo comportamento e pelas palavras desse homem. Sua conduta nega ser ele o representante de Deus" (é isso que significa a expressão sumo sacerdote de Deus). Passou, todavia, o momento de fúria, e a citação de Paulo de Êxodo 22:28 (eve um tom de desculpa (como também outra tácita afirmação de respeito pela lei).

23:6 / Agora, os eventos tomam nova direção: Paulo alinha-se com os fariseus. Parece improvável que o apóstolo o tenha feito por impulso repentino, como poderia parecer, pelo texto. E menos provável ainda é que só nesse momento teria ele notado a presença de saduceus e fariseus no concilio. Antes, parece que algo teria acontecido que chamou a atenção de Paulo para aquela divisão. Por isso, é bom termos em mente que esta narrativa com certeza é bastante condensada, e que talvez Paulo já houvesse falado muito. O v. 9 nos dá a impressão de ele haver recontado a história de sua conversão, na qual seu encontro com o Jesus ressurreto (em "espírito" — equivalente a "fantasma" no v. 9? ) trouxe à baila a questão da ressurreição. Nesse ponto é possível que os saduceus tenham ficado inabaláveis (observe-se o verbo, [Paulo] clamou no Sinédrio, como que para fazer-se ouvir), e levou seu discurso à conclu­são repentina, como descrito aqui — não desonestamente, como se estivesse afirmando ser o que já não era mais, todavia, tendo a mesma doutrina dos fariseus com respeito à esperança da ressurreição dos mortos. Paulo faria praticamente a mesma declaração perante o rei Agripa, em 26:5 (cp. Filipenses 3:5).

23:7-8 / É possível que Paulo tenha falado assim movido por motiva­ção condigna. Teria genuinamente esperado apontar aos fariseus uma base mais firme para sua doutrina da ressurreição, ao remetê-los para Jesus. Todavia, suspeita-se de que teria havido pelo menos uma pitada de malícia na jogada de mestre que ele ensaiou. Nunca fariseus e saduceus foram reconhecidos pelo grande amor mútuo, como Paulo o sabia muito bem, de modo que um apelo aos fariseus nesses termos bem que poderia ganhá-los para o seu lado, visto que os saduceus repudiavam a doutrina da ressurreição, bem como a doutrina a ela relacionada de seres espirituais que habitam o mundo espiritual.

23:9 / O efeito do clamor de Paulo foi dramático. Imediatamente se procedeu a uma divisão aguda no concilio, embora Paulo não levasse consigo todos os fariseus, visto que apenas alguns escribas da parte dos fariseus contendiam, defendendo a possibilidade de um espírito ou anjo ter falado a Paulo; todavia, nem mesmo esses estavam prontos para aceitar o relato de Paulo do que havia acontecido na estrada de Damasco (se supusermos que é a isso que se referem aqui; veja a disc. sobre o v. 6). Quanto à aceitação geral dos cristãos pelos fariseus, desde que guardassem a lei, veja a disc. sobre 5:34s. Entretanto, os saduceus permaneceram firmes em sua oposição (veja a disc. sobre 4:1); durante o restante deste livro os saduceus persistem em ser os principais adversários de Paulo (cp. 23:14).

23:10 / Já que os membros do Sinédrio agora se dividem, formando dois partidos, e talvez tenham até chegado às vias de fato, nada mais se poderia ganhar do inquérito, e Paulo corria o perigo de ser despedaçado (como que por bestas feras; cp. LXX, Oséias 13:8) O comandante ordenou, portanto, a invasão do recinto pelas suas tropas, e Paulo mais uma vez foi levado sob custódia ao forte de Antônia.

23:11 / Paulo devia estar imaginando em que iria dar tudo isso. Sua vida parecia pender de um fio; sofrerá três tentativas de assassinato em dois dias (21:31; 22:22; 23:10; cp. 2 Coríntios 11:23). Se um dia ele sentiu necessi­dade de conforto, teria sido esse dia. E o Senhor (Jesus) lhe atendeu essa necessidade. A mesma palavra que o Senhor havia dirigido a seus discípulos em meio à tempestade que ameaçava o barco (Marcos 6:50) — uma palavra singular na boca de Jesus Cristo — ele a pronunciou para Paulo naquela noite no forte de Antônia: Paulo, tem bom ânimo! Da mesma maneira como havia testemunhado em Jerusalém, haveria de testemunhar também em Roma. Observe que sua tarefa não era defender-se, mas "testemunhar" (testificar). Esse verbo encontra-se em ambas as metades desse versículo, mas na primeira metade está na forma intensiva, como que reconhecendo que Paulo havia testificado de modo cabal (veja a disc. sobre 2:40). Quanto a visões semelhantes em momentos decisivos, veja 11:5ss.; 18:9s.; 22:17ss.; 27:23s. Esta visão trouxe confirmação à própria convicção de Paulo (e ao desejo dele) de que ele deveria visitar Roma (cp. 19:21; Romanos 1:10s; também Salmo 34:4s.). Alguns comentaristas têm visto na declaração comparativa feita neste versículo algo mais do que a simples idéia de Paulo testificar; ele o faria, dizem, nas mesmas circunstâncias: o apóstolo havia testificado em Jerusalém em grilhões, e em grilhões testificaria em Roma.

 

Notas Adicionais # 60

23:6 / Por causa da esperança da ressurreição dos mortos: lit. "a respeito de [a] esperança e [a] ressurreição dos mortos": Esta frase tem sido entendida em geral como "[a] esperança de [a] ressurreição dos mortos" (assim o trazem ECA e NIV), mas em 26:6 "esperança" é termo empregado para toda a salvação messiânica, de que a ressurreição é apenas uma faceta. É possível que este seja o sentido aqui, mas 24:15 e 21 apóiam a tradução de ECA e NIV.