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Atos 21:1-16
Atos 21:1-16

Atos 21.1-16: A Caminho de Jerusalém 

 

Os viajantes retomam seu caminho, e a narrativa continua a mostrar detalhes, como antes (veja a disc. sobre 20:7-12). A parte mais extraor­dinária desta história é a reiterada advertência de perigo feita a Paulo.

21:1 / As palavras de abertura deste capítulo recriam a cena final do último capítulo; os viajantes têm que "rasgar-se uns dos outros" ao separar-se de seus amigos (é o mesmo verbo empregado em 20:30). De Mileto navegaram direto para Cós, no sul (cerca de 64 quilômetros). É provável que se tenha em mente a cidade na ilha do mesmo nome. Ali passaram a noite. Cós, além de ser famosa pela sua escola de medicina, era também um centro de vida judaica no mar Egeu (veja 1 Macabeus 15:23; Josefo, Antigüidades 14.110-118; Guerras 1.422-425). É bastante improvável, contudo, que Paulo houvesse feito algum contato com os judeus. No dia seguinte eles rodearam a península de Cnido e chegaram a Rodes. De novo é possível que se tenha em mente a cidade na ilha do mesmo nome, e novamente (de modo contrário à tradição) é improvável que Paulo tenha pregado nessa ilha. De acordo com os melhores textos, os viajantes encerraram esta parte de seu trajeto em Patara, na costa Lícia (veja a disc. sobre 13:13s.). O texto ocidental, talvez por influência de 27:5, acrescenta "e Mira", fazendo que nessa cidade, a cerca de oitenta quilômetros para o leste, fosse o lugar portuário onde os viajantes fizeram baldeação para um navio maior, para a navegação até à Síria. Entretanto, há razões para presumirmos que os ventos reinantes faziam que Patara fosse o melhor lugar de embarque para a viagem ao leste, sendo Mira o ponto terminal a oeste. Ficamos, pois, com o texto aceito. Patara seria para a cidade de Xanto o que os Pi réus eram para Atenas.

21:2-3 / Aqui eles encontraram um navio que ia para a Fenícia (v.

2), uma viagem de cerca de seiscentos e quarenta quilômetros, por um circuito que os levaria de Chipre a Tiro, a principal cidade da Fenícia, onde o navio se descarregaria. Pelo tempo que a descarga tomou, parece que se tratava de um navio grande (cp. v. 4). O principal porto de Tiro ficava no lado sul da "ilha" em que a cidade havia sido edificada. Agora, todavia, a ilha estava ligada ao continente mediante um istmo artificial (construído por Alexandre o Grande) e pelo subseqüente acúmulo de areia de ambos os lados do estreito. No v. 5 Lucas menciona uma dessas praias arenosas. Diminuíra um pouco a antiga glória de Tiro, mas esta havia permanecido importante centro comercial e industrial. Em honra a sua grandeza do passado os romanos a haviam declarado cidade livre dentro da província da Síria.

21:4 / Paulo usou o tempo durante o qual o navio era descarregado para encontrar-se com os discípulos. É possível que sua estada em Tiro tenha incluído um culto, como em Trôade, com celebração da santa ceia (cp. 20:7-12). Não devemos tomar a aparente falta de pressa de Paulo como significando que ele perdera a esperança de chegar a Jerusalém a tempo para celebrar o Pentecoste (cp. 20:16; também 21:15). A urgência demonstrada anteriormente talvez fosse decorrência das contingências das viagens marítimas daqueles dias (cp. 2 Coríntios 11:25), mas haven­do atravessado o mar com segurança até Tiro, quem sabe Paulo achou que tinha algum tempo sobrando. Teria visitado esta igreja antes (cp. 11:30; 12:25; 15:3), e o emprego do artigo definido em grego, "os discípulos", dá apoio a este pensamento — esses cristãos que Paulo sabia estarem lá. A presença deles tem raízes nos eventos de 11:19. Estando Paulo entre eles, chegou uma advertência (talvez mediante um profeta cristão) pela qual o apóstolo não deveria ir a Jerusalém. Todavia, Paulo tinha toda certeza de que deveria ir, e nada o impediria (cp. 19:21; 20:22). Talvez este tenha sido um incidente semelhante ao de alguns dias depois, em Cesaréia, pelo qual o Espírito fez saber que o futuro de Paulo estava inçado de perigos. Outros viram nessa premonição razões suficientes para exortar a Paulo a que regressasse, mas parece que para o apóstolo aquilo era o meio de Deus prepará-lo para o que o aguardava logo adiante.

21:5-6 / Quando o navio estava pronto para partir (o artigo definido indica que se tratava do mesmo navio de antes), a igreja toda acompanhou a Paulo e aos demais à praia (veja a disc. sobre 15:3), onde se ajoelharam em oração antes da partida (cp. 20:36; veja a disc. sobre 7:60 e 9:10). Aparentemente não se tratava de uma igreja grande.

21:7 / Segundo a RSV e ECA, os viajantes deixaram o navio em Ptolemaida, cerca de quarenta e oito quilômetros ao sul de Tiro. A GNB e NIV implicam que eles prosseguiram viagem até Cesaréia. A dificul­dade está no verbo grego, que dá apoio a esta ou àquela interpretação, embora num contexto náutico tal verbo sempre dê a idéia de continuação de uma viagem, em vez de seu término. Além do mais, faz mais sentido que os viajantes estivessem dispostos a esperar em Tiro uma semana, a fim de poder ir de navio o mais longe possível, do que se desejassem esperar tanto tempo para poupar-se uma caminhada de apenas quarenta e oito quilômetros, quando ainda havia mais sessenta e quatro quilôme­tros de distância entre Ptolemaida e Cesaréia. Ptolemaida era a antiga Accho, nome que a cidade readquiriu após o período romano (Acre dos cruzados). Ela recebeu seu nome como consta no Novo Testamento nos fins do terceiro século ou começo do segundo século a.C, quando a Palestina foi governada pelos Ptolomeus do Egito. Nos dias de Paulo era apenas uma colônia. Entretanto, havia ali uma comunidade judaica, e uma igreja cristã que talvez datasse da mesma época da igreja de Tiro (11:19). Sem dúvida alguma Paulo havia visitado esses crentes antes, visto que Ptolemaida ficava à beira de uma estrada pela qual ele havia viajado várias vezes antes (11:30; 12:25: 15:3). Agora ele passaria um dia inteiro com aqueles irmãos.

21:8-9 /No dia seguinte eles partiram para Cesaréia. Em duas ocasiões antes, pelo menos (9:30; 18:22), e talvez mais, Paulo havia passado por Cesaréia. É quase certo que ele conhecia Filipe, e nessa ocasião ficou com ele durante uns dias. A última vez que ouvimos falar de Filipe foi em 8:40; ele havia chegado à Cesaréia fazia uns vinte anos. Parece que instalara seu lar ali desde aquele tempo (veja o Didache 13 a respeito do "estabelecimento" de um missionário itinerante). Seu título, o evange­lista, ter-lhe-ia sido dado para diferençá-lo de Filipe, o apóstolo (embora persistisse a confusão entre ambos; veja Eusébio, Ecclesiastical History 3.31.3 e 5.17.3). Todavia, não se trata de um título vazio. Esse Filipe poderia ter sido chamado de "um dos sete" (veja a disc. sobre 6:3ss.), mas ele adquirira o direito de ser chamado por esse nome (8:4-40). Agora ele era pai de quatro filhas solteiras que profetizavam (v. 9; veja a disc. sobre 11:27), cuja presença e trabalho dedicado à igreja não passaram despercebidos (caracteristicamente) por Lucas (veja a disc. sobre 1:14). Embora fossem profetizas, não fizeram predição a respeito de Paulo pelo que sabemos. Esse papel coube a outrem.

21:10-11 / Os viajantes estavam em Cesaréia há alguns dias quando um profeta chamado Ágabo chegou da Judéia (v. 10). Politicamente, a Cesaréia fazia parte da Judéia. Na verdade, Cesaréia era a capital admi­nistrativa da Judéia. Sendo, porém, uma cidade predominantemente gentílica, muitos judeus não a consideravam parte de sua terra; a refe­rência de Lucas reflete essa atitude (veja a nota sobre 1:8 e a disc. sobre 10:1). É evidente que Ágabo é o mesmo homem de 11:28, embora Lucas o apresente aqui como que pela primeira vez. Isto talvez tenha acontecido porque Lucas consultava seu diário de viagem, e à época desse registro ainda não havia ouvido falar de Ágabo. Esse profeta repetiu as advertên­cias anteriores sobre os perigos que cercavam Paulo (20:23; 21:4), utilizando um ato simbólico reminiscente dos profetas de antigamente (cp., p.e., 1 Reis 11:29-39). Tomou o cinto de Paulo e, ligando os seus próprios pés e mãos, disse que o dono daquele cinto seria tratado daquela forma pelos judeus, que o entregariam amarrado aos gentios (v. 11). Estas palavras não são muito diferentes das predições de Jesus a seu próprio respeito (Lucas 9:44; 18:32; 24:7; cp. as predições do Senhor a respeito de Pedro, João 21:18), tendo sido talvez deliberadamente esco­lhidas (por Lucas? ) a fim de demonstrar alguma semelhança entre Jesus e Paulo (veja a disc. sobre 19:21-41). Na verdade, porém, os judeus não entregaram Paulo, conforme a previsão, mas foram obrigados a libertá-lo quando os romanos intervieram. Entretanto, não há a mínima dúvida de que os judeus foram realmente os responsáveis pelo encarceramento de Paulo pelos romanos, de modo que se cumpriu a intenção da profecia, mas não em minúcias (cp. 28:17). A fórmula introdutória de Ágabo, Isto diz o Espírito Santo, corresponde à expressão "assim diz o Senhor" do Antigo Testamento.

21:12-13 / Quando os amigos de Paulo ouviram isto, dirigiram-se a ele: rogamos-lhe, tanto nós como os que eram daquele lugar, que não subisse a Jerusalém, mas Paulo não quis ouvir-lhes os rogos (v. 12; cp. v. 4). A tristeza deles causava tristeza em Paulo, embora talvez devamos tomar a expressão magoando-me o coração (v. 13) como que signifi­cando "magoando-me o espírito", a saber, "enfraquecendo minha reso­lução", visto estar ele determinado a ir a Jerusalém. O grego é enfático: "Eu estou pronto" ("Eu, de minha parte, estou pronto", NIV, cp. Lucas 9:51). Veja a nota sobre 2:38 quanto a pelo nome do Senhor Jesus.

21:14 / À face de tal determinação, os circunstantes só podiam aceitar a decisão de Paulo, e deixar a questão nas mãos de Deus. Nesse contexto, Faça-se a vontade do Senhor parece ecoar a oração de Jesus no Getsêmani (Lucas 22:42; cp. 18:21).

21:15-16 / Por fim, havendo feito os nossos preparativos, subimos a Jerusalém (v. 15). É possível que tais preparativos incluíssem o aluguel e apetrechos de cavalos de montaria (o texto grego permite esse significado), visto que ainda tinham pela frente uns cem quilômetros de estrada. Se aceitarmos o texto ocidental, não há dúvidas de que eles partiram a cavalo, visto que o texto os faz completar a viagem em dois dias. Alguns crentes de Cesaréia os acompanharam à casa de Mnasom (v. 16; veja a disc. sobre 9:6ss. e 15:3). Este cipriota possuía um nome comum entre os gregos, embora não possamos duvidar de que ele fosse um judeu, visto que é descrito como discípulo antigo (v. 16) — frase que quase tem o sentido de "membro fundador" — o que pode indicar que sua conversão teria ocorrido no dia de Pentecoste, no cap. 2. Pedro usa a mesma expressão em 11:5 com referência àquele evento (cp. também 15:7). Mnasom aparentemente era homem de recursos, tendo uma casa em Jerusalém suficientemente grande para acomodar visitantes — uma consideração importante se esta fosse na verdade a época do Pentecoste (veja a disc. sobre 2:1). Entretanto, temos a possibilidade de a casa dele não ser em Jerusalém (segundo o texto ocidental), mas num vilarejo, a meio caminho, onde os viajantes pernoitaram. Todavia, será que Lucas teria o trabalho de mencionar-lhe o nome se o grupo se hospedou em sua casa apenas uma noite? Seja como for, o caso é que Paulo e seus companheiros finalmente chegaram a seu destino.

 

Notas Adicionais # 55

21:5 / Havendo passado ali aqueles dias: isto é, "completado nosso tempo ali", um verbo bastante incomum nesse contexto. É empregado noutras passa­gens a respeito de terminar-se um edifício ou uma obra. Pode sugerir que o navio cumpria um horário rigoroso, de modo que os viajantes dispunham de um número exato de dias, que não se podia exceder. Quando esses dias se comple­taram, todos voltaram ao navio.

21:8 / O evangelista: É palavra que ocorre apenas duas vezes noutras passagens do Novo Testamento (Efésios 4:11; 2 Timóteo 4:5). Ser evangelista era considerado um dom distinto, de tal modo que embora todos os cristãos sejam chamados para exercer esse ministério, alguns recebem um dom especial para exercê-lo — fato que ocorre até os dias atuais. Na segunda das duas passagens mencionadas, Timóteo é exortado a fazer a obra de um evangelista, isto é, tornar conhecidos os fatos relacionados ao evangelho. Tal exortação lhe chegou quando já exercia o trabalho local e pastoral, em grande parte. De modo semelhante, Filipe foi chamado de "evangelista" quando estabelecido num determinado lugar. É possível, então, que esta fosse a diferença (ou uma das diferenças) entre um evangelista e um apóstolo. Aquele era itinerante, este quase não viajava.