Criar uma Loja Virtual Grátis
Atos 19:1 -22
Atos 19:1 -22

Atos 19.1 -22: Paulo em Éfeso 

 

Esta seção forma um par com a anterior. Ambas se relacionam e se preocupam com o cristianismo perante uma forma imperfeita de fé — "o batismo de João". Neste presente caso é o próprio Paulo que cuida da situação. Estes versículos também descrevem brevemente seu ministério em Éfeso, cujos aspectos são ilustrados na seção seguinte. Mas, de novo temos de recorrer às cartas do apóstolo a fim de preencher certas lacunas desses anos. Ficamos sabendo que as realizações paulinas em Éfeso se fizeram à custa de muito sofrimento (1 Coríntios 15:32; 2 Coríntios 1:8; 4:9ss.; 6:4ss.), incluindo, talvez, um encarceramento (cp. 2 Coríntios 11:23) e uma visita rápida a Corinto, numa tentativa de pôr ordem nas questões caóticas da igreja (cp. 2 Coríntios 12:14; 13:1; também 2 Coríntios 2:1; veja a disc. sobre 21:21).

19:1a / Parece que Paulo fez sua viagem para Éfeso por um caminho mais curto, embora menos freqüentado, pelo vale do Cayster (veja a disc. sobre 18:23). Pelo menos este parece ser o significado de estrada do interior, "ou terras altas", visto que este caminho levava a uma topogra­fia mais elevada em relação à estrada principal através de Colossos e Laodicéia. Agora ele estava na Ásia proconsular. Por volta do segundo século a.C. esta região estava sob o governo dos Selêucidas, mas pela derrota destes, comandados pelo rei selêucida Antíoco III (190 a.C. em Magnésia) numa guerra com os romanos, grande parte da região passou para Eumenes II, de Pérgamo, aliado de Roma. Subseqüentemente, pela morte do último rei de Pérgamo, Atalus III (133 a.C), como herança a região voltou aos romanos. A nova província assim adquirida chamou-se Ásia, visto que os Atalidas eram conhecidos dos romanos como os reis da Ásia. Essa província tomou Mísia (veja a disc. sobre 16:7s.); Lídia e Caria; as áreas costeiras de Eólia, lônia e Trôade, e muitas das ilhas do mar Egeu. A província cresceu em 116 a.C. mediante a adição da Frígia maior. Sua primeira capital havia sido Pérgamo, a antiga capital dos Atalidas, mas, pela época de Augusto, Éfeso havia assumido essa posi­ção. A cidade dirigia e resolvia seus próprios assuntos através da assem­bléia de cidadãos (demos), e elegia seus magistrados. A paz trazida por Augusto ao mundo romano foi bem recebida pelos povos da Ásia, cuja própria história havia sido turbulenta. Desenvol­veram um forte senso de lealdade ao imperador, expressa no estabe­lecimento do culto de "Roma e seu Imperador", em 29 a.C. O culto era ministrado a favor das cidades participantes (como a Liga da Ásia) por seus representantes, os asiarcas, nomeados anualmente para esse propósito. Sendo membro da Liga da Ásia, Éfeso havia sido o centro desse culto desde o início; moedas e inscrições mostram como a cidade se orgulhava de ser neokoros, "Administradora do Templo", tanto do culto imperial como do de Ártemis, sua própria deusa pa­droeira. A maior parte das evidências neste sentido relaciona-se ao culto imperial, mas o título "guardadora do templo da grande deusa Diana" (v. 35) é atestado (embora depois do Novo Testamento), não havendo a menor dúvida de que Éfeso era famosa pela adoração de sua deusa. Seu último templo — aquele que Paulo viu — foi conside­rado uma das maravilhas do mundo.

19:lb-2 / Logo após sua chegada a Éfeso, ou assim parece, Paulo veio a encontrar-se com uns homens ("cerca de doze", v. 7), os quais Lucas teria considerado como cristãos em certo sentido, visto que ele os chama de discípulos (v. 1), dos quais se afirma que haviam crido (v. 2), mas só conheciam o "batismo de João" (v. 3). É muito significativo o critério de Paulo para discernir um cristão. Também é significativa a forma como O apóstolo formula sua pergunta.

Esses discípulos talvez estivessem na mesma situação de Apoio, tendo sido "instruídos no caminho do Senhor" até certo ponto (18:25), mas Ignoravam o que havia acontecido no Pentecoste cerca de vinte anos mais (e talvez ignorassem outras coisas). Esta sugestão apóia-se na Interpretação do v. 2. Eles responderam à pergunta de Paulo, dizendo: nem sequer ouvimos que haja Espírito Santo. Ora, é quase certo que tais homens fossem judeus, mas ainda que fossem gentios influenciados pelos ensinos de João Batista e de Jesus, deveriam pelo menos ter ouvido falar do Espírito. É melhor entender, então, a resposta deles como significando que não sabiam que o Espírito Santo havia sido concedido ( cp. João 7:39, onde se encontra a mesma expressão grega). Assim é que, independente do que mais soubessem a respeito de Jesus, não estavam conscientizados a respeito de um evento em particular que, mais do que qualquer outro, confirmava a realidade da chegada da era da salvação. Em suma, esses crentes não estavam mais adiantados essencialmente do que os discípulos de João Batista.

19:3-4 / Investigação um pouco mais profunda demonstrou que de fato o único batismo que conheciam era o de João. Paulo lhes explicou que aquele batismo havia sido apenas um rito preparatório mediante o qual as pessoas prometiam emendar suas vidas, arrepender-se, em antecipa­ção do Messias prestes a chegar, em (lit. "dentro de") quem deveriam crer (veja a disc. sobre 10:43). Mas o Messias havia chegado, oferecendo perdão a quem mostrasse arrependimento, e bênçãos a quem tivesse fé. Sem dúvida Paulo lhes exibiu tudo isso com muitas provas das Escrituras, mas Lucas resumiu todo o ensino paulino nas duas palavras do final do v. 4. Tudo quanto João Batista e os profetas haviam contemplado no futuro se realizara em Jesus (veja também a disc. sobre 18:25).

19:5-7 / Estes "discípulos" consideravam-se cristãos e no entanto ficaram sabendo que ainda não tinham uma compreensão completa da fé cristã. Talvez por essa razão impondo-lhes Paulo as mãos (v. 6), assegurou-lhes que agora passavam a estar na "linha sucessória apostó­lica". Também pode ser por essa razão que se lhes acrescentaram os sinais externos da presença do Espírito, pois passaram a falar em línguas, e profetizavam. Quanto a terem sido batizados "em nome do Senhor Jesus" (v. 5), veja a nota sobre 2:38 e a disc. sobre 8:16). O tempo do verbo na segunda metade do v. 6 (imperfeito) significa que eles "come­çaram a falar e a profetizar", ou que "ficaram falando e profetizando continuamente". Estes dois dons são discutidos em profundidade em 1 Coríntios 12 e 14. A forma indefinida usada por Lucas, eram ao todo uns doze homens (v. 7), faz que seja improvável a atribuição de algum significado a esse número.

19:8 / O ministério de Paulo em Éfeso seguiu um padrão costumeiro. Ele voltou à sinagoga (ou assim o supomos) na qual havia pregado durante sua breve visita de 18:19, e ali, durante um período de três meses, falou ousadamente (veja a disc. sobre 4:13). O tema dele era o reino de Deus, a saber, que o governo de Deus podia ser experimentado agora no Messias, baseando-se na morte dele pelos nossos pecados, e mediante nossa fé nele, com a idéia também de um futuro julgamento da parte do Messias (veja a disc. sobre 1:3 e a nota sobre 8:12). Essa mensagem não era diferente de sua pregação noutras partes (por ex. em 17:31; 18:5), visto que seu ministério estava voltado para Jesus e seu reino (28:31), e a ele se podia referir neste ou naquele termo. Todavia, segundo as referências aqui, em 20:5 e em 1 Coríntios (não menos do que cinco vezes), "o reino de Deus", por alguma razão, teria caracterizado de modo especial a pregação e o ensino de Paulo em Éfeso. Parece que o apóstolo voltou a usar de novo sua técnica de "discutir e persuadir", como meio usual de apresentar sua mensagem (veja a disc. sobre 17:2).

19:9 / À medida que as semanas se passavam, Paulo foi encontrando oposição persistente da parte de alguns deles que se tornaram obstinados (como alguns deles se endurecessem [trad. lit.; cp. Êxodo 7:3] e não obedecessem [o grego expressa não mera descrença, mas exibição de desobediência], falando mal do Caminho [quanto a Caminho, veja a disc. sobre 9:2]). É possível que isto se refira à maioria dos membros da sinagoga, de tal modo que no fim Paulo não teve outra alternativa senão retirar-se, levando consigo os discípulos. Talvez os cristãos já estives­sem fazendo reuniões separadas (veja as disc. sobre 18:19ss., 14:27 e também a nota), mas Paulo precisava agora encontrar nova base física para sua pregação evangelística. A solução encontrada foi a utilização da escola de Tirano, onde ele discutia todos os dias, isto é, a mesma técnica de antes, tendo agora, porém, um auditório bem maior. O texto ocidental traz um aditamento em que se pode deduzir que Paulo fazia suas reuniões entre a quinta e a décima hora, todos os dias (das onze da manhã às dezesseis horas). A esta hora talvez a maior parte das pessoas estivesse repousando de seu trabalho (cp. Martial, Epigrams 4.8), inclu­sive o próprio Paulo, pois sabemos que ele trabalhava para seu próprio sustento em Éfeso (20:34; 1 Coríntios 4:12) e, à semelhança de outros profissionais e artesãos, começaria seu trabalho antes de o sol nascer. Ele próprio define essas horas em 1 Tessalonicenses 2:9 ("noite" aqui signi­fica as horas que antecedem o nascer do sol). Se de fato Paulo tinha à sua disposição aquela escola entre a quinta e a décima hora, é possível que a razão disso sejam os preços reduzidos que Tirano lhe oferecera, por não se tratar de "horário nobre". Nada sabemos acerca de Tirano. Ele aparece aqui sem ser anunciado, à semelhança de outras informações aparentemente insignificantes que, contudo, inspiram confiança nas fontes utilizadas por Lucas.

19:10 / Assim, durante dois anos, Paulo trabalhou em Éfeso, e desta cidade a nova fé havia sido disseminada pela província (cp. todos os que habitavam... tanto judeus como gregos, com "uma grande multidão" do v. 26; veja a disc. sobre 9:35). Éfeso era lugar para onde confluíam grandes multidões da Ásia Menor. As pessoas eram atraídas à cidade pelo comércio, para ver os grandes festivais e espetáculos romanos, e para adorar a deusa; assim foi que se colocaram no âmbito da pregação de Paulo. Mas é possível ainda que Paulo e seus auxiliares tenham saído em excursões missionárias em visita a algumas cidades da província. Por este ou aquele método de trabalho (a pregação missionária direta, ou o regresso ao lar de convertidos em trânsito por Éfeso), estabeleceram-se as igrejas de Colossos, Laodicéia e Hierápolis, no vale do Lycus, e talvez outras da Ásia (Apocalipse 2-3; cp. 1 Coríntios 16:19).

19:11-12 / Lucas nos fala pouco a respeito dos anos de Paulo em Éfeso, mas esse pouco revela-nos que tremendo impacto o apóstolo exerceu sobre a cidade; ao mesmo tempo Lucas nos mostra com acuidade a atmosfera religiosa e moral da cidade. "Em Éfeso", escreve Rackham, "a cultura e a filosofia helenística haviam feito uma união desastrosa com a superstição oriental" (p. 339). O resultado foi uma cidade preocupada com a magia. Paulo deve ter deplorado a superstição do povo, mas foi o interesse efésio pela magia que propiciou a entrada do evangelho. Como em outras cidades, a pregação de Paulo se fez acompanhar "pelo poder dos sinais e prodígios, no poder do Espírito Santo" (Romanos 15:19; cp. Atos 13:11; 14:3, 10; 16:18; 2 Coríntios 12:12; Hebreus 2:4); a diferença poderia ter sido que em Éfeso a freqüência dos milagres teria sido inusitada (observe a expressão, fez milagres extraordinários). Teriam sido "extraordinários" no caráter (v. 11). Era Deus, logicamente, quem os executava; Paulo era apenas seu agente (lit., "pelas mãos de Paulo", v. 11; veja a nota sobre 5:12). Entretanto, o povo comum não estava preocupado com tais sutilezas teológicas. Para o cidadão comum era Paulo quem operava tais milagres, pelo que o apóstolo tornou-se o centro de interesse público. Tomaram-lhe as roupas de trabalho — aventais, macacões, lenços — da oficina, na esperança de que por meio dessas peças de vestuário poderiam curar seus enfermos.

Seria fácil pôr de lado essa prática do povo, como se meramente refletisse a perspectiva supersticiosa efésia, e explicar as curas do v. 12 como sendo devidas a outro meio mais apropriado (não mencionado no texto) de as pessoas serem alcançadas pela graça de Deus. Contudo, para interpretarmos com justiça o texto de Lucas, a implicação é que foi pelo contato com as roupas que as enfermidades os deixavam e os espíritos malignos saíam (v. 12). Lucas afirma que os milagres eram extraordi­nários. Bem pode ter acontecido que Deus atendeu às necessidades das pessoas no nível de entendimento delas. Os efésios davam grande im­portância a amuletos e encantamentos (veja os vv. 18s.), e agora, exata­mente por esses meios, recebiam a lição de que no Deus de Paulo havia um poder maior, muito maior do que qualquer outro que conhecessem. Esse fato em si mesmo não era suficiente. Mas constituía o primeiro passo na direção de "crer sem ver" (João 20:29; veja a disc. sobre 5:15s.). Nenhuma sugestão se faz sobre Paulo ter encorajado ou aprovado o que os efésios estavam fazendo.

19:13-14 / Entre as muitas pessoas atraídas à grande metrópole esta­vam alguns dos exorcistas judeus, ambulantes (v. 13;cp.Lucas 11:19), os sete filhos de um tal de Ceva. Deste se diz que era um dos principais sacerdotes (v. 14), mas nenhuma pessoa com esse nome foi sumo sacerdote em Jerusalém. É claro que poderia ter sido uma afirmação pretenciosa, mas se o título deve ser tomado com seriedade, e se fosse um título judeu, poderia ter sido chefe de uma "casta" de sacerdotes, ou membro de uma das famílias de onde saíam os sumos sacerdotes (veja a disc. sobre 4:6). Quem sabe era um apóstata, e sumo sacerdote do culto imperial, ou de outro qualquer. Nada nos diz Lucas a seu respeito, a não ser que seus filhos e, talvez, o próprio Ceva, eram exorcistas profissionais — prática que de modo especial contava, aparentemente, com a grande apreciação dos judeus (veja Josefo, Antiquities 8.42-49).

Usualmente, o exorcismo envolvia encantamentos ao redor do nome de algum poder, com freqüências muitos nomes, a fim de certificar-se de que estaria incluído aquele nome em particular, eficaz naquele caso específico. Portanto, os filhos de Ceva, ou melhor, dois deles, como sugere o versículo 16 no grego, tendo visto o poder demonstrado por Paulo, ao apelar o apóstolo ao "nome do Senhor Jesus", decidiram incluir esse nome em seu repertório. Há uma passagem notável em Justino, o mártir, na qual ele se queixa de que os exorcistas judeus, como uma classe, haviam adotado as mesmas práticas mágicas e superstições dos pagãos (Diálogo 85). Não deve surpreender-nos, portanto, que esses homens estivessem desejosos de tentar qualquer fórmula que parecesse funcionar, ainda que nenhuma lealdade prestassem a Jesus (quanto ao uso do nome de Jesus por exorcistas judaicos, cp. Marcos 9:38ss.; mais tarde, os rabis condenariam essa prática).

19:15-16 / No fim, o resultado foi muitíssimo diferente do que os filhos de Ceva esperavam. O homem (ou os espíritos que o possuíam) disse­ram-lhe: Conheço a Jesus, e bem sei quem é Paulo, mas vós quem sois? v.15); noutras palavras, o demônio desafiou o direito daqueles homens de usarem o nome de Jesus. A seguir, o espírito voltou-se contra eles e os expulsou, de modo que nus e feridos fugiram daquela casa (v. 16). Faltaram aqui a fé cristã e a oração (cp. Mateus 17:19s.; Marcos 9:28s.). Ao traduzir a resposta do homem, NIV tenta mostrar que o grego tem duas palavras diferentes para "saber". A diferença entre elas é muito sutil, mas parece que os espíritos tinham um conhecimento mais íntimo de Jesus do que de Paulo, fazendo-nos lembrar do discernimento sobre­natural da pessoa de Jesus sobre os demônios, como vemos nos evange­lhos (cp. Lucas 4:34, 41; 8:28; veja a disc. sobre 16:17). O incidente como um todo também nos faz lembrar da advertência de Jesus em Mateus 7:22s.

19:17 / Espalharam-se muito depressa as notícias a respeito do que havia acontecido, com dois resultados: primeiro, os que habitavam em Éfeso, tanto judeus como gregos, caiu temor sobre todos eles (cp. 5:11). Só se pode esperar esse tipo de reação de pessoas tomadas de superstições. A palavra todos deste versículo de novo é equivalente a "muitos" (veja a disc. sobre 9:35). E segundo: o nome do Senhor Jesus era engrandecido. É característica de Lucas anotar ambas as reações. Ambas foram muito naturais sob tais circunstâncias, não devendo ser descartadas como se devidas tão somente à "forma" de tais histórias. A segunda reação não teria sido tão generalizada como a primeira, mas é possível que tenha sido a mais duradoura, conforme o demonstraria a mudança do aoristo para o imperfeito — eles "continuavam a honrar seu nome". A narrativa seguinte serve de apoio a esta declaração.

19:18 / Este versículo liga-se fortemente ao precedente, pela sintaxe, como mais um resultado do incidente que envolveu os filhos de Ceva. Ajudou os cristãos a quebrar o poderio que a superstição havia exercido até mesmo entre eles. Este foi também um resultado persistente, pois os cristãos de tempos em tempos vinham (imperfeito) confessando e reve­lando os seus feitos [maus]. Lucas não duvida de que a fé dos cristãos envolvidos aqui, antes desse incidente, havia sido genuína (quanto ao tempo perfeito do particípio, muitos dos que tinham crido, veja a disc. sobre 14:23). Todavia, ainda eram "bebês em Cristo" (1 Coríntios 3:1) que aprendiam a viver a nova vida; a profissão de fé era acompanhada pela prática em passo muito lento (cp. Efésios 4:22-24; 5:11).

19:19-20 / O teste definitivo do arrependimento é a mudança de vida. Um exemplo notável disso encontra-se na determinação dos efésios em tornar coerente a fé e a prática. Muitos dos que tinham praticado artes mágicas trouxeram os seus livros e os queimaram em público, os quais continham as fórmulas mágicas que tornaram Éfeso famosa (veja Plu-tarco, Symposiaca 7.5; Clemente de Alexandria, Stromateis 5.8.46). Aqui o tempo verbal (novamente o imperfeito) sugere que essas pessoas atiravam rolo após rolo ao fogo. O valor dos documentos assim destruí­dos foi calculado em cinqüenta mil moedas de prata (talvez dracmas da Ática). Não é fácil exprimir essa importância em seu equivalente moderno, mas na verdade tratava-se de soma bem alta, embora de modo nenhum desproporcional ao imenso e rico comércio da cidade. A nota final de Lucas resume esta seção e prepara-nos para a próxima. A palavra do Senhor crescia poderosamente, isto é, mais e mais pessoas ouviam a respeito do senhorio de Jesus, e muitos entregavam suas vidas a Jesus como o Senhor, de modo que a mensagem prevalecia, no sentido de que seus efeitos eram sentidos em escala crescente, tanto em Éfeso como em toda a província.

19:21 / A fórmula solene, cumpridas estas coisas, marcou o que Lucas teria talvez visto como sendo uma nova fase da história, a saber, a viagem que finalmente levaria Paulo a Roma. À semelhança da viagem que Jesus empreendeu em Lucas 9:51, esta foi a que conduziria Paulo a seu destino; foi uma viagem marcada por premonições de sofrimento, encerrada com sua prisão e julgamento perante o Sinédrio, um procura­dor e um rei judeu. Em todas as situações o clamor dos judeus era o mesmo: "fora com ele", e em todas a vítima foi declarada inocente pelos romanos. É evidente que Lucas se viu tocado pela similaridade; ao apresentar seu relato da viagem de Paulo de maneira muito parecida com 0 relato da outra viagem, o autor procurou levar seus leitores e verem tal semelhança por si mesmos (veja a disc. sobre 5:17-42; 7:54-8: Ia; 13:13-51; 21:17-26; e 27:1-12). A idéia de dirigir-se a Roma pode ter aparecido na mente de Paulo em Corinto (veja a disc. sobre 18:17), mas só durante sua estada em Éfeso é que o apóstolo passou a comentá-la publicamente. Ele achava que era da vontade de Deus que ele fosse a Roma (veja a disc. sobre 1:16 sobre é-me necessário; cp. também 20:22); Lucas poderia ter tencionado demonstrar este fato mediante estas palavras: "Paulo propôs, no Espírito, ir a Jerusalém", mas o texto também pode significar que ele havia determinado isso em seu espírito (ECA assim o traduziu; NIV diz: "Paulo decidiu"). Todavia, antes de ir a Roma havia algo que ele queria fazer. A razão por que ele queria regressar à Grécia e dali a Jerusalém era dupla: fortalecer e encorajar as igrejas (implícito no verbo "passando pela", veja a disc. sobre 8:4) e juntar o resultado de uma coleta que havia sido feita (cp. 24:17; Romanos 15:25-31; 1 Coríntios 16:1-4; 2 Coríntios 8-9). Esse dinheiro destinava-se ao socorro dos crentes pobres de Jerusalém, onde um desassossego geral exacerbava os efeitos recentes da persegui­ção e da fome sobre a igreja. A situação desesperadora da igreja deve ter tocado Paulo em sua última visita a Jerusalém (veja a disc. sobre 18:22), de modo que o apóstolo decidiu tomar alguma providência. Afinal, suas atividades como perseguidor da igreja em parte eram responsáveis pela situação (veja a disc. sobre 11:29); agora, aquela coleta poderia servir para aproximar os cristãos judeus dos cristãos gentios. Esse empreendi­mento era tremendamente valioso aos olhos de Paulo. Lucas, por sua vez, menciona-o apenas uma vez, e assim mesmo por declaração de Paulo, não sua (24:17). Segundo sua perspectiva, a grande importância estava nas seqüelas da coleta, e não na própria coleta.

19:22 / Ao preparar-se para a viagem, Paulo enviou Timóteo e Erasto na frente, à Macedônia, talvez a fim de assegurar que o dinheiro estivesse disponível à época em que ele chegasse lá. Timóteo, mencionado pela última vez em Corinto em 18:5, faria nova visita a Corinto subseqüen­temente, numa tentativa de fazer com que a igreja se alinhasse em certas questões (1 Coríntios 4:17; 16:10s.), mas regressara a Éfeso sem obter sucesso. Paulo não voltou a utilizá-lo como emissário aos coríntios, e preferiu substituí-lo por Tito (2 Coríntios 2:13; 7:13ss.). Entretanto, parece que Timóteo se saíra melhor na Macedônia, pelo que Paulo não teve dúvidas em enviá-lo agora àquelas igrejas. Esta pode ser a visita registrada em Filipenses 2:19 (cp. também 2:24). Quanto a Erasto, não é provável que se tratasse do mesmo homem mencionado em Romanos

16:23 (veja a disc. sobre 18:6ss.). Seria na verdade surpreendente que um companheiro itinerante de Paulo houvesse ascendido em tão pouco tempo à posição de tesoureiro da cidade de Corinto. Portanto, deve ter sido outro Erasto, de Corinto, com quem Paulo posteriormente trabalhou (2 Timóteo 4:20). Trata-se de nome comum naquela época. No entretempo, enquanto os dois homens viajavam para o norte, Paulo permaneceu por algum tempo na Ásia. Esta referência implica que o trabalho do apóstolo não estava confinado à metrópole (cp. vv. 10, 26); a primeira parte desse versículo deixa claro que a partida de Paulo não foi precipi­tada pelo que aconteceu a seguir (embora pudesse tê-la apressado). Sua partida havia sido planejada com antecipação.

 

Notas Adicionais # 50

19:1 / Achou alguns discípulos: Presume-se às vezes que tais homens haviam sido discípulos de Apoio. E levanta-se a questão: por que Apoio nada fez a fim de ajudá-los, como ele próprio havia sido ajudado por Priscila e Áquila? Entretanto, não é necessário procurar tal ligação entre Apoio e os discípulos. Na verdade, as palavras de Lucas permitem deduzir-se que eles não haviam chegado a Éfeso senão depois de Apoio ter partido para Corinto.

19:10 / Dois anos, excluindo-se os três "meses do v. 8: Em 20:31 Paulo fala de sua residência por três anos em Éfeso; ele expressa, à maneira usual dos antigos, um período intermediário, utilizando um número maior, redondo.

19:14-16 / Sete filhos de Ceva, judeu, um dos principais sacerdotes: A palavra sete tem sido questionada, visto que a palavra traduzida por "dois" no v. 16 (gr. amphoteroi) usualmente significa "ambos", embora no grego posterior viria a ter o sentido de "todos". Se de fato só havia dois filhos, a palavra sete teria aparecido em nota marginal, ou o nome Ceva teria trazido à memória a palavra hebraica seba, "sete". Todavia, uma explicação mais simples pode ser que de novo somos vitimados pela brevidade sintética de Lucas. É provável que dos sete filhos, apenas dois estiveram envolvidos nesse incidente. Não ficamos sabendo se o próprio Ceva estava em Éfeso.

19:21 / É-me necessário ver também Roma: Nada diz o apóstolo a respeito de fundar uma igreja, pois ele sabia que já havia uma em Roma. Ele apenas queria "comunicar algum dom espiritual" aos romanos (Romanos l:lls.; cp. 15:14), considerando sua visita a Roma como simples parada temporária em sua viagem a caminho da Espanha (Romanos 15:24, 28).