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Atos 18:18-28
Atos 18:18-28

Atos 18.18-28: Priscila, Áquila e Apolo 

 

O fim da "segunda" e o começo da "terceira viagem missionária" são narrados como que numa pressa de tirar o fôlego, como se Lucas estivesse ansioso por ver Paulo dar início a seu trabalho em Éfeso. A brevidade da narrativa deixa-nos imaginando certas coisas como para onde e por que teria ido Paulo. Todavia, em grande parte é possível refazer-lhe o caminho com razoável confiança, e encontrar sentido em tudo quanto o apóstolo fez. Por causa da semelhança genérica entre esta viagem e a de 20:3-21:26 (os elementos comuns são o trajeto de Corinto a Jerusalém, via Éfeso, e o voto que Paulo fez) alguns têm afirmado que esta seção de Atos é apenas uma invenção de Lucas, que se baseou naqueles eventos com a intenção de manter Paulo em contato com Jerusalém, recebendo as bênçãos desta igreja com um objetivo extra: atribuir ao apóstolo uma participação bem maior no estabelecimento da igreja em Éfeso. Todavia, se esta passagem fosse realmente redigida tendo seu autor tais objetivos em mente, é certo que Lucas teria enfeitado sua narrativa, e muito; ao contrário, temos um texto simples. A narrativa nada diz acerca do resultado da pregação de Paulo em Éfeso, e só dá um ligeiro indício do plano de Paulo de ir a Jerusalém. Por outro lado, não se apresentam razões por que Paulo não tenha realizado essa viagem nessa época, mas razões fortíssimas por que ele a realizou.

18:18 / Durante os dezoito meses ou mais que Paulo esteve em (lorinto, podemos supor que a igreja de Cencréia (o porto do leste) lambem tenha sido estabelecida (Romanos 16:1), bem como talvez outras igrejas, porque em 2 Coríntios 1:1 lemos acerca de "todos os santos que estão em toda a Acaia". Todavia, chegou o dia em que Paulo m liou que devia encerrar seu ministério aqui e voltar, quem sabe breve­mente, à Síria (não se tem certeza sobre se este termo aqui usado inclui a Judéia ou se apenas indica seu destino final, sem referir-se à sua visita n Judéia). Antes de partir, Paulo corta o cabelo, a fim de cumprir um voto que fizera, talvez bem no início de sua estada em Corinto, na época em que o apóstolo estivera deprimido e temeroso (v. 9). Tais votos, baseados do voto do nazireado de Números 6:1-21, aparentemente eram uma característica comum da piedade judaica (cp. 23:21-26; m. Nazir ). A conclusão do voto marcava-se pela cabeça rapada e pela oferta de sacrifícios no templo. Ambos os atos normalmente eram efetuados em Jerusalém, mas se o devoto estivesse longe da cidade, parece que lhe era permitido cortar o cabelo e levá-lo a Jerusalém, onde ele o oferecia juntamente com o resto dos cabelos, quando rapasse a cabeça (cp. Josefo, War 2.309-314). Parece que foi isso que Paulo fez em Cencréia, sem dúvida com o espírito de gratidão por tudo quanto Deus lhe havia feito em Corinto. A menção que Lucas faz dessas trivialidades pode ter a intenção de mostrar como eram infundados os ataques judaicos e judaico-cristãos contra Paulo, com base numa alegada antipatia do apóstolo pelas tradições judaicas (veja mais sobre o assunto na disc. de 21:23s.). Paulo tomou um navio em Cencréia, cujo porto havia sido reconstruí­do logo depois de 44 a.C. Lúcio Apuleius (segundo século d.C.) des­creve-a como "a mais famosa de todas as cidades coríntias, ao longo dos mares denominados Egeu e Sarônico. Há ali um grande e poderoso porto freqüentado por navios de muitas e variadas nações", afirmou ele (Ma-tamorphoses 10.35). Ele exagerou. O porto não era do tamanho do de Lecheum (porto a oeste de Corinto). Entretanto, a cidade teria sido grande nos dias de Paulo. Priscila e Áquila foram com o apóstolo. É presumível que Silas e Timóteo tenham ficado na cidade a fim de superintender o trabalho que Paulo deixava (consulte-se a disc. sobre o v. 23).

18:19-21 / O primeiro porto em que o navio atracou foi o de Éfeso. Aqui, um panorama impressionante deve ter-se aberto diante dos olhos dos viajantes ao penetrarem na larga foz do Cayster, na qual Éfeso havia sido erigida. Em tempos antigos os navios podiam subir à cidade, que ficava entre o mar e o monte Coressus (com o passar do tempo o porto ficou obstruído por lama; hoje as ruínas de Éfeso jazem num pantanal a sete ou oito quilômetros de distância do mar). Partindo do porto, a principal estrada conduzia ao centro da cidade; teria sido mediante essa estrada que Paulo e seus companheiros ficaram conhecendo Éfeso, a metrópole da província da Ásia. Nessa breve visita, Paulo dirigiu-se à sinagoga e ali discutia com os judeus (v. 19; consulte-se a disc. sobre 9:20 e 17:2). Parece que havia sido revogada a proibição de Paulo pregar na Ásia (16:6), pois ele é recebido calorosamente (v. 20). Os judeus efésios já deviam ter ouvido muito sobre "o Caminho", e sem dúvida gostariam de aprender mais. Todavia, Paulo não vai permanecer ali, mas promete que, querendo Deus, voltará (cp. 21:14; Tiago 4:15). A avaliar-lhe a ansiedade, deve ter havido razões prementes para que Paulo não quisesse ficar em Éfeso, e aproveitar essa oportunidade ao máximo. Era-lhe necessário, é claro, cumprir o voto, mas talvez ele desejasse estar em Jerusalém numa daquelas festas de Israel, talvez a da Páscoa (cp. 20:16), para a qual ele deveria apressar-se, visto que a Páscoa ocorreria logo, no início da temporada das viagens (veja a disc. sobre 27:9 e 28:11). Entretanto, acima de tudo, se Paulo já houvesse tido uma visão mais ampla das perspectivas de seu empreendimento missionário (veja a disc. sobre o v. 17), teria desejado rever Antioquia, visto que essa igreja já não poderia constituir um centro missionário eficaz para o apóstolo, que desejava despedir-se daqueles irmãos. Priscila e Áquila permaneceram em Éfeso, de modo que quando Paulo ali voltou, já existia uma igreja na cidade. Não havia ocorrido uma separação da sinagoga, mas a igreja cristã constituía um grupo identificável dentro da sinagoga, em contato com seus irmãos de Corinto (vv. 26s.), e era provável que mantivessem suas próprias reuniões na casa de Áquila e Priscila (cp. 2:42; 1 Coríntios 16:19, e quanto a lares que abrigavam igrejas, veja 14:27 e as notas).

18:22 / Enquanto ocorriam estas coisas em Éfeso, Paulo prosseguiu para Cesaréia e, presumivelmente, para Jerusalém, onde ele saudou a igreja (cp. 21:18). A incerteza a respeito dos movimentos precisos de Paulo deve-se ao fato de o texto grego não mencionar Jerusalém, mas a menos que façamos a suposição de que esse era o destino dele, temos o apóstolo "subindo" (do porto? ) à igreja de Cesaréia, e "descendo" dessa cidade até Antioquia. Em nenhum desses casos o verbo seria apropriado, fosse esse o sentido intencionado, pois a expressão mais freqüente seria "subir a Jerusalém" (cp. 11:2; 15:2; 25:1, 9) e "descer de Jerusalém" ao sair da cidade (cp. 24:1; 25:6, 7). Entendemos então que esse era o sentido de Lucas. Fica-nos a impressão de que a estada de Paulo em Jerusalém foi muito curta (talvez uma semana, a fim de cumprir seu voto), mas suficientemente longa para que ele sentisse o drama econômico da igreja, e determinasse fazer algo em prol dos irmãos (veja a disc. sobre 19:21). De lá, o apóstolo voltou à Antioquia da Síria.

18:23 / Aqui Paulo permaneceu durante um período indefinido, talvez até a primavera seguinte (53 d.C.? ), após o que ele tomou a estrada de novo, em sua "terceira viagem missionária". Refazendo seu caminho anterior (veja a disc. sobre 15:40s.), o apóstolo passou pela província da Galácia e da Frigia, a saber, a região do sul da Galácia, numa linha quase direta com Éfeso (veja a disc. sobre 16:6). A expressão "passando sucessivamente" pode significar que Paulo pregava à medida que avan­çava (veja a disc. sobre 8:4), e assim ia fortalecendo a todos os discípulos. Assim foi que o apóstolo teria visitado todas as cidades de suas viagens anteriores: Derbe, Listra, Icônio e Antioquia. Daqui, a estrada principal tê-lo-ia conduzido ao longo de Colossos e Laodicéia, no vale do Lycus, até o Meânder e ao longo do rio até a costa. No entanto, parece que não foi esse o caminho seguido (cp. Colossenses 2:1), mas teria tomado outro, mais curto, pelo vale do Cayster. Pelo que sabemos, Paulo não teve um companheiro em sua viagem a Éfeso; aparentemente ele esperava encontrar-se com Timóteo, de que se ouve falar na próxima cidade (1 Coríntios 4:17; l6:10s.).

18:24 / Enquanto Paulo viajava, conforme a descrição feita nos versículos anteriores, Apoio chegou a Éfeso. Era uma personagem suficientemente importante na igreja primitiva para merecer a notícia de sua chegada a essa metrópole. Serve também para mostrar algo que estava acontecendo na cidade, antes do regresso de Paulo. Quando Paulo chegou, Apoio já havia partido, mas tempos depois Paulo e Apoio encontraram-se em Éfeso, e fica bem claro mediante uma porção de referências nas cartas paulinas que o apóstolo o considerava seu amigo, e um companheiro valioso (1 Coríntios 3:5-9; 16:12; Tito 3:13). Apoio era judeu, nativo de Alexandria, dotado de consideráveis dons coerentes com sua cidade de origem (veja a nota sobre 6:9). Apoio era homem eloqüente e poderoso nas Escrituras. A expressão grega significa "erudito" ou "eloqüente"; neste caso, talvez ambos os sentidos se apli­quem a Apoio — o homem era dotado de sabedoria e erudição, e sabia comunicar-se com eficácia. O mais importante é que ele era muito versado nas Escrituras. Sua pregação baseava-se nesses dons, tanto em Éfeso como em Corinto.

18:25 / Até certo ponto Apoio era já um cristão ao chegar a Éfeso, de modo que, tanto quanto ele entendia o cristianismo, era grande entusiasta da fé. Aparece aqui uma expressão que significa literalmente "ferver no espírito", isto é, Apoio fervia em sua mente humana, pelo que talvez "transbordasse de entusiasmo". Por isso, ele falava e ensinava (no imperfeito, indicando hábito) diligentemente tudo quanto sabia acerca de Jesus, embora seu conhecimento, conforme se veio a descobrir, fosse incompleto. Ele era instruído no caminho do Senhor (isto implica que havia algum ensino evangélico no Egito cerca de 50 d.C). Entretanto, ele só conhecia o batismo de João. Afinal, que é que estava faltando nele, que não recebera o batismo cristão, de modo que Priscila e Áquila julgassem necessário explicar-lhe "com mais precisão o caminho de Deus" (v. 26)? Se os "discípulos" de 19:1-7 servem um pouco como guias, devemos entender que Apoio ainda não conhecia a experiência do Pentecoste — o dom do Espírito como sinal de que a era da salvação havia chegado (veja as notas sobre 2:17ss.) — e o significado que isso atribuía ao batismo. Diferentemente de João Batista, que apenas anteci­pou a era da salvação, o batismo cristão já pertence à nova era, pois marca (entre outras coisas) o ingresso do crente no dom do Espírito (veja as notas sobre 2:2ss. e as disc. sobre 2:38 e 19:4). É possível que Apoio houvesse aceitado a Jesus Cristo como o Messias, sem contudo conhecer toda a extensão da realização messiânica do Senhor. Ficamos até imagi­nando se Apoio sabia da ressurreição de Jesus.

18:26 / Fossem quais fossem suas deficiências, Apoio pelo menos tinha a coragem de suas convicções. Ele chamou a atenção de Áquila e Priscila ao falar ousadamente (acerca de Jesus) na sinagoga de Éfeso. Depois, o casal o levou à sua casa e complementaram o que lhe faltava na instrução cristã. O caminho de Deus que lhe explanaram é um resumo conveniente do tema que percorre todos os sermões primitivos de Atos, a saber, que Deus "havia predito pelos profetas" as coisas concernentes ao Messias (3:18, 21; etc), e que tais coisas se cumpriram agora na vida, morte, ressurreição e ascensão de Jesus, e no dom do Espírito Santo. Lucas não nos diz se Apoio recebeu o batismo cristão (mas cp. 19:5). Se o recebeu, teria sido pelas mãos de seus instrutores.

18:27-28 / Depois disso, Apoio transferiu-se para a Acaia — as referências sempre parecem indicar Corinto (cp. 19:1). Os crentes de Éfeso (veja as disc. sobre os vv. 19-21) encorajaram a mudança (ou o texto grego poderia significar que eles encorajaram os coríntios a recebê-lo) e escreveram nesse sentido à igreja da Acaia (v. 27). A idéia de Apoio partir pode ter partido de Priscila e Áquila, que julgaram que o treinamento acadêmico dele atrairia a atenção de um auditório coríntio. É certo que Apoio, tendo chegado, ajudou muito aos que pela graça criam (v. 27). Talvez o sentido seja que ele foi capaz de ajudar "pelo seu (dom proveniente) da graça", a saber, pelo conhecimento e eloqüência que lhe foram dados por Deus. Qualquer desses significados pode deduzir-se do texto grego. Em todo caso, os coríntios encontraram nele um valoroso tribuno capaz de enfrentar os judeus, a quem refutava publicamente na sinagoga (v. 28). O verbo significa que Apoio "os vencia na argumentação", não necessariamente que conseguia convencê-los; ao conduzi-los ao teste das Escrituras, pelo menos demonstrava que as objeções judaicas contra Jesus como o Messias não tinham o menor fundamento. Não só era Apoio uma grande ajuda aos crentes, como também conseguia conduzir muitos pagãos ao aprisco (1 Coríntios 3:5). Estes versículos nos dão a impressão de que a igreja de Corinto estivera sob pressão, da parte dos judeus, desde a partida de Paulo, e que graças ao seu extraordinário manejo das Escrituras é que Apoio foi capaz de ajudar os crentes. Entretanto, não demorou muito e ei-lo de volta a Éfeso; encontramo-lo em 1 Coríntios 16:12 rejeitando o convite insis­tente de Paulo para que fizesse nova visita a Corinto. Não é muito difícil descobrir o motivo da recusa. Em Corinto as pessoas haviam começado a compará-lo com Paulo, com freqüência para desvantagem de Paulo. A eloqüência e a cultura alexandrina de Apoio podem ter parecido carac­terísticas superiores, em relação à simplicidade da pregação de Paulo. Surgiu o espírito partidário, e os dois homens que só queriam ser colegas de ministério, obreiros do mesmo ministério (1 Coríntios 3:3-10), eram vistos agora como rivais (1 Coríntios l:12s.; 3:4, 22; 4:6). Sem dúvida, isso era doloroso para Apoio como também para Paulo.

 

Notas Adicionais # 49

18:18 / Tendo rapado a cabeça em Cencréia, porque tinha voto: Se seguíssemos as leis gramaticais apenas, estas palavras naturalmente se referi­riam a Áquila. Todavia, é difícil entender o significado que tal enunciado passaria a ter.

18:19 / Paulo os deixou: aqui o texto grego é estranho. Parece que de início Lucas havia escrito simplesmente que Paulo "deixou Priscila e Áquila... (e) partiu de navio de Éfeso", e que depois ele expandiu a sentença ao acrescentar as palavras seguintes.

18:23 / Tendo permanecido ali algum tempo, partiu: É usual que se considere este evento como o início da "terceira viagem missionária". Entretanto, Lucas minimiza tanto esse acontecimento que há boa justificativa para a opinião de que ele próprio não entendeu que aqui começava a terceira viagem, mas simplesmente outra fase da segunda viagem, que só haveria de encerrar-se quando Paulo chegasse a Jerusalém, em 21:17.

18:25 / Sendo fervoroso de espírito: demos o sentido literal dessa frase na discussão, mas em vez de referir-se ao espírito de Apoio (como o interpretamos) a referência pode ser ao Espírito de Deus. Segundo este entendimento da frase, é concebível que a fé que Apoio possuía já lhe houvesse trazido o dom do Espírito, antes que recebesse o batismo cristão; ou mesmo que ele não houvesse recebido esse rito cristão, seu batismo anterior teria sido considerado suficiente à vista de seus dons carismáticos (veja G. W. H. Lampe, The Seal ofthe Spirit [Londres: Longmans, Green, 1951], p. 66; veja também as disc. sobre 8:14ss. e 10:44). Lucas talvez tenha presumido que Apoio tivesse recebido o Espírito devido à menção do modo de ele pregar: "ousadamente" (v. 26; cp. 4:13; veja a disc. sobre 4:8).