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Atos 9:32-43
Atos 9:32-43

Atos 9.32-43: Enéias e Dorcas 

 

Paulo retira-se e Pedro volta ao centro dos acontecimentos. Ouvimos falar dele pela última vez em 8:5. Esta seção retoma o fio da narrativa. Não há dúvida de que os apóstolos realizaram caminhadas freqüentes "por toda a Judéia, Galiléia e Samaria", visitando as comunidades cristãs. Os dois capítulos seguintes nos falam de uma viagem em particular que trouxe conseqüências de longo alcance. Não há como dizer quando estas coisas aconteceram em relação aos eventos de 9:1-31.

9:32-35 / A história inicia-se com Pedro visitando os santos (veja a disc. sobre o v. 13) em Lida. Esta é a Lode do Antigo Testamento (1 Crônicas 8:12). Fica cerca de 40 quilômetros de Jerusalém, perto do litoral, onde a planície de Sarone (Sefela) inicia a subida na direção das cordilheiras centrais. Lida era uma cidade predominantemente judaica, situada numa região de população mista (veja a disc. sobre 8:40), o que explica também a presença de cristãos. Esta era ainda uma época em que os cristãos eram recrutados entre os judeus apenas, sendo pouquíssimos os provenientes dos gentios. É possível que Filipe tenha evangelizado Lida, mas o fato de esta ficar tão perto de Jerusalém levanta a possibili­dade de ali ter havido crentes desde talvez a época de Jesus. Em Lida, Pedro encontrou um paralítico chamado Enéias. Este não é explicitamen­te chamado de discípulo (cp. v. 36); todavia, pela natureza da visita de Pedro, e por Enéias saber o nome de Jesus, parece que de fato ele era um discípulo. O fato de esse homem ter nome grego não significa que ele não fosse judeu (veja a nota sobre 12:12). Ao atender à necessidade de Enéias, Pedro deixou bem claro que seria apenas um intermediário. Cristo é quem iria curá-lo (cp. 3:6; 10:38). Jesus Cristo te dá saúde, disse-lhe Pedro, acrescentando: Levanta-te, e faze a tua cama (cp. v. 34; cp. Lucas 5:17-26; Atos 14:8-12). Estas últimas palavras são uma interpretação do grego ambíguo de Lucas, segundo o qual Pedro teria dito a Enéias simplesmente o seguinte: "arranje-se por si mesmo". É expressão que pode referir-se às roupas de cama, mas pode significar também, "arranje alguma coisa para comer". Seja como for, tratava-se de algo que Enéias não tinha podido fazer durante oito anos (veja a disc. sobre 3:2). O resultado desse milagre foi que muitos (é nesse sentido que Lucas emprega todos) em Lida e em Sarona se converteram ao Senhor [Jesus]. A planície de Sarona estende-se do monte Carmelo, ao sul de Jope, mas a referência aqui se prende apenas àquela parte da planície nas vizinhanças de Lida.

9:36-38 / Enquanto isso ocorria em Lida, em Jope, uma discípula chamada Tabita... enfermando... morreu (vv. 36, 37). A semelhan­ça de Enéias, essa mulher também tinha nome grego (cp. v. 33; veja a disc. sobre 12:12), a saber, Dorcas, que significa "cerva", ou Tabita. Lucas a descreve como uma mulher "cheia de boas obras e esmolas" (v. 36), cujo sentido é que sua vida se devotava a estas coisas. Toda a comunidade cristã sentia muito sua morte. Entre os judeus permitia-se decorrer três dias entre a morte e o sepultamento, a fim de assegurar-se que a morte de fato havia ocorrido (veja a disc. sobre 5:6), mas parece que os discípulos demoraram mais ainda no caso de Tabita. Seu corpo havia sido banhado, mas não ainda ungido; e depositaram-na num quarto alto (c. 37), talvez na antecipação do grande milagre. Afinal, Jesus havia ressuscitado os mortos e havia ressurgido, e seu servo Pedro estava na cidade vizinha (cp. 5:12ss.). Dois homens foram buscar Pedro em Lida.

9:39-42 / À semelhança de Lida, Jope era uma cidade predominante­mente judaica. Fora edificada em terreno rochoso à beira-mar. Formara-se um porto natural com rochas que represavam a água, o qual Josefo descreve como sendo muito perigoso para a navegação (Guerras 3.522-531). Era o único ancoradouro natural em toda a extensão da costa litorânea, de Jope ao Egito. Pedro atendeu imediatamente à mensagem de Jope ("levantando-se Pedro, foi com eles", veja a disc. sobre 8:27). Ao chegar, Pedro ficou sabendo da grande perda que a igreja havia sofrido. Lá estavam as viúvas mostrando ao apóstolo as roupas que Dorcas fizera (o verbo grego está no imperfeito, o que significa que aquela era a prática costumeira dessa irmã), quando estava com elas (v. 39). O particípio na voz mediana indica que as viúvas exibiam as roupas nelas próprias (quanto a viúvas, veja a nota sobre 6:1).

Pedro evacuou a sala, como Jesus o fizera por ocasião da ressurreição da filha de Jairo (Marcos 5:40; mas cp. Lucas 8:54). Entretanto, diferen­temente de Jesus, Pedro ajoelhou-se em oração, antes de pronunciar a ordem (veja a disc. sobre 1:14 e 7:60; cp. p.e., João 14:12-14). O emprego do nome Tabita na ordem pronunciada por Pedro sugere que Lucas estaria utilizando uma fonte escrita em aramaico, a língua em que Pedro havia falado. Na verdade, Pedro teria dito em aramaico: "Tabitha, cumi'', palavras ligeiramente diferentes das que Jesus dirigira à filha de Jairo, "talitha, cumi" (Marcos 5:41). Esta coincidência, ainda que se levem em consideração outras similaridades entre os dois milagres, não constitui prova de que um registro se tenha derivado de outro (veja as notas). A ressurreição de mortos fazia parte da comissão de Jesus (Mateus 10:8), de modo que não precisamos ter a mínima dúvida sobre se Pedro estaria exercendo o poder e a autoridade que Jesus delegara aos apóstolos. O caso é que há também algumas diferenças entre os dois relatos, como a vivificação gradual de Dorcas (v. 40; cp. Lucas 8:54) e o cuidado de Pedro em não tocá-la (seria pelo temor de tornar-se imundo? cp. Números 19:11) até que ela estivesse totalmente restabelecida (v. 41; cp. Lucas 8:54). Quando Dorcas pôs-se de pé, Pedro chamou os santos (veja a disc. sobre o v. 13), inclusive as viúvas — as que mais haviam sofrido por causa daquela morte — e apresentou-a viva (v. 41). Como acontecera em Lida, esse milagre produziu mais algumas conversões (nada há de errado numa fé gerada por milagres, desde que tal fé se baseie em Cristo). Não houve a intenção de estabelecer diferenciação entre as pessoas: "muitos creram no Senhor" e muitos "se converteram ao Senhor" (em ambos os casos epi rege o acusativo). Ambas as expressões significam a mesma coisa — a entrega ao Senhor (cp. esp. 11:21).

9:43 / Ficou Pedro muitos dias em Jope, talvez com o objetivo de instruir os novos crentes (cp. 2:42). E digno de nota, entretanto, que ele tenha ficado na casa de certo Simão, curtidor. Os artesãos que traba­lhavam com couro eram considerados imundos (m. Ketuboth 7.10), de modo que se Pedro havia tido necessidade de vencer alguns escrúpulos pessoais a fim de poder ficar na casa de Simão (Lucas chama tanta atenção para isto que é possível que tal tenha acontecido; veja as disc. sobre o v. 41 e 10:9ss.), esta observação serve como prefácio interessante à história que se segue.

 

Notas Adicionais # 24

9:36-41 / R. T. Fortna observa que há "um número espantoso de paralelismos léxicos" entre o relato joanino da ressurreição de Lázaro e esta história, em Atos (The Gospel of Signs [Londres: Cambridge University Press, 1970], p. 84).

Encontram-se paralelismos também no Antigo Testamento (cp. 1 Reis 17:17-24; 2 Reis 4:32-37). Entretanto, nada disso explica a origem desta história. Dunn, Jesus, p. 165, acha que é perfeitamente possível que a tradição recue até um episódio genuíno do ministério de Pedro, embora fique imaginando se Tabita não estaria simplesmente num estado de coma.