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Atos 4:23-31
Atos 4:23-31

Atos 4:23-31: A Oração dos Crentes

 

4:23 / Ao serem libertados, Pedro e João foram para os seus, isto é, para o meio dos crentes, e contou-lhes o que se passara. Quanto ao lugar de suas reuniões, veja as notas sobre 1:13 e a disc. sobre 12:12. O fato de eles mencionarem especificamente os principais sacerdotes e os anciãos de novo indica que os saduceus seriam seus principais adversá­rios (veja a disc. sobre os vv. 6, 8).

4:24 / A seriedade do assunto que os apóstolos traziam para relatar, e seu senso de dependência de Deus eram de tal ordem que o grupo todo pôs-se a orar. A expressão unânimes levantaram a voz tem sido interpretada como afirmando que todos foram inspirados a pronunciar exatamente as mesmas palavras, mas isso implica uma visão demasiado mecanicista da inspiração. É mais provável que tenham todos orado um de cada vez (como outros eruditos sugerem); nesse caso, todavia, Lucas nos dá apenas um traço característico das várias orações. Alguns vão mais longe, e sugerem que Lucas apenas redigiu o que ele julgou ser uma oração bem apropriada para essa ocasião; todavia, essa opinião choca-se contra um obstáculo: ela reflete uma perspectiva muito diferente da que o próprio Lucas entretinha quanto ao papel desempenhado por Herodes e Pilatos, na morte de Jesus. No evangelho, Lucas mostra Pilatos, de modo especial, como um participante relutante, enquanto aqui tanto um como outro desempenham papéis de liderança no que diz respeito aos acontecimentos (veja também as notas sobre o v. 27). Talvez a melhor explicação seja a seguinte: uma pessoa orou e todas as demais assentiram, ou pela repetição da oração frase a frase, ou por acrescentar-lhe um amém, no fim. Seja como for, foi uma ocasião onde foi mostrado que era "um o coração e a alma da multidão dos que criam" (v. 32; veja a disc. sobre 1:14).

Essa oração pode ter sido baseada na de Ezequias (Isaías 37:16-20), e à semelhança dessa, seu tema dominante seria a soberania de Deus. Isto se declara logo de início, ao falarem a Deus (cp. Apocalipse 6:10 e a descrição de Cristo em 2 Pedro 2:1; Judas 4). A palavra grega despotes denota "absoluta propriedade e poder sem medida", de modo especial no que concerne ao poder do dono de um escravo. Compare Lucas 2:29, em que "teu servo" (trad. lit. do gr.) encaixa-se nessa expressão, como aqui "teus servos" (novamente trad. lit. do gr.) no v. 29. É termo que também expressa aqui, como com freqüência ocorre na LXX (cp. Jo 5:8; Sabe­doria 6:7), a soberania de Deus na criação. A mesma palavra é empregada a respeito dos deuses no grego clássico, mas o criador do céu, a terra, o mar e tudo o que neles há não é nenhum "déspota" como os deuses quase sempre eram. O governo de Deus é absoluto, mas nunca exercido na ausência da sabedoria e do amor. Tampouco o governo divino se restringe ao ato de criar. Ele é soberano também no que concerne aos assuntos humanos: "Segundo a sua vontade ele opera no exército do céu e nos moradores da terra. Não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes? " (Daniel 4:35).

4:25-27 / O pensamento de Deus como o Deus da história, implícito no v. 24, torna-se explícito nos versículos que se seguem por referência ao Salmo 2:2s., segundo o qual Deu falou pela boca de Davi (v. 25; veja a disc. sobre 1:16). No primeiro exemplo, este salmo foi dirigido a um rei, para lembrá-lo de que por ocasião de sua coroação ele havia sido aclamado "o Ungido do Senhor" (isto é, "o Messias"). É bem compreen­sível que mediante o emprego de termos como "o Ungido", "meu Rei", e "meu Filho", esse salmo veio a ser interpretado como referindo-se ao Messias escatológico (embora não de modo exclusivo), pelo menos pelos meados do primeiro século a.C. (veja a disc. sobre 13:23; cp. Salmos de Salomão 17:24ss.; 4QFlor. 1.10-13). Ao aplicá-lo a Jesus, portanto, os cristãos estavam apelando para uma tradição firmada. Entretanto, para eles o Messias, de modo bem singular, era ao mesmo tempo o Servo (v. 27) — uma justaposição de idéias que devia sua origem à consciência messiânica do próprio Jesus (veja as notas sobre 3:13; 8:32s.; 11:20). É que muito cedo, por ocasião de seu batismo, Jesus já havia visto a si próprio tanto em termos do Salmo 2:7 (cp. 13:33;Hebreus l:5;5:5)como de Isaías 42:1, parte do primeiro "Cântico do Servo" (Lucas 3:22), consciente de que seu papel como Rei retratado no salmo só seria cumprido mediante seu ministério (serviço) e a entrega da própria vida (morte) "em resgate de muitos" (Marcos 10:45). A descrição adicional como o teu Santo Filho Jesus (v. 27) faz-nos lembrar sua devoção a Deus e à tarefa para a qual Deus o havia chamado (cp. 3:14), enquanto a referência ao fato de ele ter sido feito o Messias talvez signifique o mesmo que se afirma em 10:38, que parece referir-se a seu batismo.

Visto que os cristãos entendiam que esse salmo fala de Jesus, segue-se que as suas minúcias dizem respeito à vida do Senhor, de modo especial os eventos que culminaram em sua morte. Assim, o termo os reis da terra (v. 26) seria referência a Herodes, o tetrarca, ou seja, Herodes Antipas, chamado de modo casual de "rei" (cp. Marcos 6:14), os prín­cipes seria termo designativo de Pôncio Pilatos, os gentios, referência aos romanos, que efetuaram a crucificação, e os povos de Israel, desig­nativo do "povo de Deus", em que o grego traz plural, amalgamando a redação do v. 27 à citação. A inclusão de Israel entre os que contra o teu santo Filho Jesus... se ajuntaram (v. 27) expressa a perspectiva de que a única escapatória para o povo de Deus seria seu reconhecimento de Jesus como o Messias. O velho Israel, havendo deixado de atender a esta exigência, foi substituído pelo novo Israel. A semelhança do velho Israel, entretanto, o novo Israel de Deus, a Igreja, foi escolhida pela graça de Deus não para privilégios, mas para o serviço (cp. Romanos 2:28, 29; Gálatas 6:16; Efésios 1:11, 14; Filipenses3:2, 3; Tito 2:14; 1 Pedro 2:9, 10). Quanto ao título de Cristo (Ungido, Messias), veja as notas sobre 11:20).

4:28 / Os que "contra o teu santo Filho Jesus... se ajuntaram..." (v. 27) representam uma força considerável. No entanto, estavam todos sob o controle soberano de Deus. O Senhor virou a fúria deles contra seus próprios objetivos (cp. Salmo 76:10), visto que fizeram aquilo que o Senhor mesmo predeterminara (tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado, cp. 2:23; 3:18). A expressão "tua mão" (que NIV traduz "teu poder") é tradução literal do grego, uma expressão comum nas Escrituras para "o poder divino quando manifes­tado ativamente, como no caso do livramento de seu povo, ou na manifestação de sinais" (Rackham, p. 61; cp. v. 30 quanto à expressão hebraica "estender a mão", também Êxodo 3:20; 13:3; 15:6; etc.) e alguém que está intimamente ligado ao Espírito de Deus. Em suma, a mensagem deste versículo é "uma palavra de conforto" para todos os cristãos. Pode haver incidentes na vida cristã difíceis de serem suporta­dos, mas não há acidentes, visto que "todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus" (Romanos 8:28).

4:29-30 / Reconhecendo esta realidade, os crentes trazem sua causa diante do "trono da graça" de Deus (Hebreus 4:16: "trono de Deus, onde há graça", segundo a GNB). Observe que a súplica ficou para a parte final e que mesmo assim eles não pediram que fossem poupados das tribulações, mas que lhes fosse dada coragem para enfrentá-las, e conti­nuar a proclamar a mensagem com grande ousadia (v. 29; veja a disc. sobre o v. 13). Esta oração envolve um paradoxo curioso, que é o seguinte: a ousadia no falar era considerada privilégio de homens livres, e não de escravos; no entanto, no mesmo tempo eles chamam a si mesmos de "escravos" (trad. lit. do grego). Isto equivaleria a dizer: "seja feita a tua vontade". Parece que a coragem não sobreveio àqueles discípulos mais facilmente do que vem a nós. Pedro e João haviam de fato demons­trado ousadia diante do Sinédrio, mas para manter aquela coragem ficaram na dependência do Espírito Santo, que é o Doador desse dom (cp. 9:17, 27). É certo que os discípulos precisariam desse dom, visto que o servo não é maior do que o seu Senhor (João 15:20), e se o Senhor é o Servo Sofredor, não deveriam esperar menos do que sofrer com ele (cp. Colossenses 1:24; Hebreus 13:12s.).

Quanto a seus inimigos, os discípulos simplesmente oraram nos seguintes termos: Senhor, olha para as suas ameaças (v. 29). Tal sentença, se interpretada de acordo com a estrita lei gramatical, deveria referir-se aos que haviam ameaçado Jesus, mas segundo o senso comum, deve referir-se à recente experiência dos apóstolos (v. 18). O Salmo 2 havia mencionado a destruição dos inimigos de Deus, mas os discípulos não pedem a destruição deles nesta oração. Tais coisas deveriam ser deixadas nas mãos de Deus (cp. Romanos 12:19). Em vez de pedir vingança, eles pedem a Deus: enquanto estendes a tua mão para curar (veja a disc. sobre o v. 28) e para que se façam sinais e prodígios (veja as notas sobre 2:22) pelo nome do teu santo Filho Jesus (v. 30; quanto ao título, veja a disc. e as notas sobre 3:13 e as notas sobre 8:32s. e 11:20; quanto a "nome", veja as notas sobre 2:38). Diz o texto grego, literal­mente: "Enquanto tu alcanças", qualificando o período principal, "con­cede aos teus servos que falem com toda a ousadia". Esta construção deixa bem claro que embora os milagres tenham atendido a necessidades reais, também eram vistos como confirmação de poder, visto que as pessoas ficariam sabendo que ninguém faria aquelas obras a menos que Deus estivesse com ele (cp. João 3:2; Hebreus 2:3s.).

4:31 / Os discípulos haviam pedido poder, e como resposta receberam dons de poder, tanto a curto como a longo prazo (conquanto houvessem orado com freqüência nesse sentido). De imediato moveu-se o lugar em que estavam reunidos, como se atingido por um terremoto — um sinal costumeiro da parte de Deus para denotar sua presença (cp. 16:26; Êxodo 19:18; Salmo 114:7; Isaías 6:4; Ezequiel 38:19; Joel 3:16; Amos 9:5; Ageu 2:6) — e todos foram cheios do Espírito Santo. Nesse poder, os discípulos anunciavam com ousadia a palavra de Deus. Não precisa­mos supor que a pregação deu-se ali e naquele instante. A força da expressão no grego é que os discípulos transformaram a pregação em prática costumeira (nisto reside, em parte, a resposta de longo prazo à oração deles). A opinião segundo a qual temos aqui um relato variante do ocorrido no Pentecoste, e que os discípulos estavam falando em línguas não tem o mínimo fundamento. Quanto à experiência momentâ­nea de os discípulos serem cheios do Espírito Santo, veja as notas sobre 2:4 e a disc. sobre 4:8.

 

Notas Adicionais # 9

4:25 / Tu disseste pela boca de Davi, teu servo: NIV traz uma tradução um tanto diferente: "Tu disseste por intermédio do Espírito Santo, pela boca de teu servo, nosso pai Davi". Isto talvez represente o sentido que Lucas pretendia dar às suas palavras no grego, visto que a linguagem ali é bastante esquisita, para não dizermos "absolutamente contra a gramática" (BC, vol. 4, p. 46). A dificuldade talvez resida no fato de ser uma tradução para o grego. C.C. Torrey, em sua teoria de uma fonte escrita em aramaico, reconstruiu o texto de modo que viesse a significar o seguinte: "aquilo que nosso pai, teu servo Davi, disse sob o comando do Espírito Santo" (pp. 16s.). Bruce acredita que o único meio de se traduzir esse texto, como está, é tomando Davi como a boca (o porta-voz) do Espírito Santo (Book, p. 105, e é exatamente isso que NIV e ECA fizeram, com ligeira variação). Deixando de lado as dificuldades, o efeito geral das palavras é enfatizar que Deus está no controle do veículo bem como da mensagem.

4:27 / Teu santo Filho: O termo grego pais pode significar "filho, criança", (por isso ECA o traduz assim), cp. Salmo 2:7 (embora aqui a LXX empregue uma palavra diferente). NIV traz "teu santo Servo". É a descrição familiar de Jesus em termos do servo de Isaías.

que tu ungiste: Quanto ao emprego de uma frase relativa, veja a nota sobre 4:10. Se estivermos corretos em pressupor que se trata do batismo de Jesus, reflete de novo um ponto de vista diferente do de Lucas (veja a disc. sobre o v. 24). Como demonstra a narrativa do nascimento do Senhor, Lucas considerava Jesus como o Messias desde seu nascimento.